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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Álvaro de Campos

Nas praças vindouras — talvez as mesmas que as nossas —

Nas praças vindouras — talvez as mesmas que as nossas —

Que elixires serão apregoados?

Com rótulos diferentes, os mesmos do Egipto dos Faraós;

Com outros processos de os fazer comprar, os que já são nossos.

E as metafísicas perdidas nos cantos dos cafés de toda a parte,

As filosofias solitárias de tanta trapeira de falhado,

As ideias casuais de tanto casual, as intuições de tanto ninguém —

Um dia talvez, em fluido abstracto, e substância implausível,

Formem um deus, e ocupem o mundo.

Mas a mim, hoje, a mim

Não há sossego de pensar nas propriedades das coisas,

Nos destinos que não desvendo,

Na minha própria metafísica, que tenho porque penso e sinto

Não há sossego,

E os grandes montes ao sol têm-no tão nitidamente!

Têm-no? Os montes ao sol não têm coisa nenhuma do espírito.

Não seriam montes, não estariam ao sol, se o tivessem.

O cansaço de pensar, indo até ao fundo de existir,

Faz-me velho desde antes de ontem com um frio até no corpo.

O que é feito dos propósitos perdidos, e dos sonhos impossíveis?

E porque é que há propósitos mortos e sonhos sem razão?

Nos dias de chuva lenta, contínua, monótona, uma,

Custa-me levantar-me da cadeira onde não dei por me ter sentado,

E o universo é absolutamente oco em torno de mim.

O tédio que chega a constituir nossos ossos encharcou-me o ser,

E a memória de qualquer coisa de que me não lembro esfria-me a alma.

Sem dúvida que as ilhas dos mares do sul têm possibilidades para o sonho,

E que os areais dos desertos todos compensam um pouco a imaginação;

Mas no meu coração sem mares nem desertos nem ilhas sinto eu,

Na minha alma vazia estou,

E narro-me prolixamente sem sentido, como se um parvo estivesse com febre.

Fúria fria do destino,

Intersecção de tudo,

Confusão das coisas com as suas causas e os seus efeitos,

Consequência de ter corpo e alma,

E o som da chuva chega até eu ser, e é escuro.

3-2-1927

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).

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