A mulher virgem, em geral, não ama o homem com quem casa,
A mulher virgem, em geral, não ama o homem com quem casa, embora frequentemente de tal se persuada: gosta d'ele, e esse gostar, que é uma amizade, provocada em geral pelo amor do homem por ela, somando-se ao instinto sexual insatisfeito, ou seja à atracção sexual abstracta, forma um composto semi-emotivo que dá a ilusão do amor, (...) as suas emoções — aquela parte da sexualidade que não é só sexual — ficam insatisfeitas. Nuns casos o instinto maternal, exercendo-se no aparecimento dos filhos, ou satisfaz essas emoções ou as esbate e acalma; noutros casos, a vida imaginativa consegue, em maior ou menor grau, satisfazê-las. Há casos, porém, em que ficam insatisfeitas e então só o fundo moral seguro e a [...] moral forte, ou o senso [...] e medroso da respeitabilidade social, podem — quando podem, e isso depende muito do temperamento que está por trás d'essas emoções — resistir ao aparecimento, quando e se ele se der, do homem em quem essas emoções se possam concentrar. Em todo o caso, e para bem moral dos resultados, o melhor é o homem não aparecer.
Só o maior dos sensos morais e da honestidade do dever pode evitar um desastre.
E a mulher que ama nestas condições, ama louca e perdidamente, e porque a fome das emoções é maior e mais terrível do que a da sexualidade. Esta pode ser satisfeita — mal, mas em todo o caso satisfeita, pela própria masturbação. As emoções, embora em certo grau o possam também ser pela imaginação — não o podem ser, relativamente, tanto. A satisfação do instinto pela masturbação é apenas incompleta; a das emoções pela imaginação é fictícia.
A paixão é um pânico das emoções, e como o pânico — que nisto se distingue do medo — estilhaça a inibição, desorienta o espírito, vira o indivíduo contra as suas próprias aquisições mentais superiores, e muitas vezes o conduz a fazer o que mal sabe que faz, ou que a própria paixão se fosse menor, como o pânico se não fosse mais que medo, o levaria ou aconselharia a não fazer.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
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