BASES PARA DOIS PROJECTOS DE CONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL
BASES PARA DOIS PROJECTOS DE CONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL
Os dois projectos que seguem representam duas aplicações diversas da mesma ideia central ou geradora. Essa ideia central é concebida, e aqui exposta, completamente, isto é, não só na sua essência, mas também nas diversas ideias derivadas em que ela se desdobra no seu desenvolvimento lógico. É assim que essa ideia se torna verdadeiramente completa; é assim, também, que ela resulta verdadeiramente interessante.
A ideia central ou geradora é a seguinte: a conversão da pequena indústria em grande indústria pelo processo do agrupamento. Posta assim, na sua nudez fundamental, a ideia parece demasiado abstracta e, por isso, pouco interessante; é, porém, no seu desenvolvimento e pela análise das suas consequências lógicas que ela adquire corpo e interesse.
Começaremos, para que desde o princípio tudo seja explícito, por definir o que, no estudo presente, se entende por “pequena indústria”. Esta expressão inclui toda e qualquer indústria que pode ser exercida, bem ou mal, em pequena escala, embora possa também ser exercida em grande; por isso exclui apenas as grandes indústrias de especialidade técnica, baseadas em grandes instalações de maquinismos, e em que portanto a “pequena escala” é já grande. Podendo, pois, a pequena indústria ser realmente grande, ela só é pequena indústria verdadeiramente por ser pequena em relação à empresa maior, aqui projectada, de que ela, qualquer que seja o seu vulto individual, é uma parte componente.
Posto isto, passaremos a analisar que ideias derivadas resultam do desenvolvimento lógico da ideia central de conversão da pequena em grande indústria pelo processo do agrupamento. É conveniente não esquecer, no decurso da leitura do que vai seguir, o sentido em que aqui se emprega a expressão “pequena indústria”.
(1) Convertida a pequena em grande indústria pelo processo do agrupamento de muitas e diversas indústrias pequenas em uma só empresa grande, têm que ser, por isso mesmo, criadas, adentro da empresa agrupadora, duas secções suplementares da sua secção propriamente industrial: uma secção de concentração, preparação e apresentação para venda dos produtos concentrados, e uma outra secção, propriamente de venda deles. Dado o vulto que forçosamente tem que ter uma empresa assim constituída por agrupamento, essas suas duas secções serão também importantes, em movimento, capacidade e organização, pois que participarão da importância da própria empresa.
(2) Criada, porém, uma secção de vendas da espécie indicada, imediatamente ocorre utilizar o seu vulto e organização para chegar mais perto do público que seja possível, quer pela venda comercial directa, isto é, só aos estabelecimentos de retalho, quer, sempre e onde possa ser, pela criação de lojas próprias, para venda absolutamente directa, isto é, ao público.
(3) Criada, e assim alargada, esta secção de vendas, e estabelecida, como necessariamente tem que ser, em grau correspondente a secção de concentração de produtos e de preparação deles para a venda, vê-se logo que a empresa fica habilitada a concentrar para venda, e a vender, não só os produtos das suas fábricas, como também os de outras fábricas do mesmo país, com as quais, por qualquer razão, ela ou não tenha que, ou não deseje, concorrer. Assim a secção de concentração e preparação de produtos para venda alargaria o seu âmbito a incluir uma subsecção de compras ou de agência, através da qual se aperfeiçoaria a apresentação dos produtos alheios tomados para venda, e onde, sempre que não fosse impossível, se converteriam esses produtos comercialmente em próprios pela subordinação a marcas privativas.
(4) Como, porém, grande número dos produtos assim concentrados para venda, quer de fábricas próprias, quer de alheias, forçosamente se prestam a ser exportados, a secção de vendas desdobrar-se-ia a incluir uma subsecção de exportação. Criada e devidamente organizada esta subsecção de exportação, ela, participando, como as outras, da importância e da organização da empresa, estaria habilitada a abarcar, e facilmente poderia abarcar, a distribuição no estrangeiro, não só dos produtos anteriormente citados, de fabricação própria ou alheia, como até de quais quer produtos nacionais, por estranhos que naturalmente fossem, quer à índole industrial da empresa (qualquer que ela seja), quer à sua índole (relacionada com essa) primaria mente concentradora.
(5) Organizada assim a exportação de todos os produtos nacionais, próprios ou alheios, de índole igual ou diferente da índole primária da empresa, caberia aproveitar a importância concentradora da empresa, e também a sua capacidade distribuidora, para tornar extensivo ao estrangeiro o mesmo processo de tentaculização de vendas que se aplicaria ao país. Assim se estabeleceriam no estrangeiro, gradualmente, e começando pelos centros mais interessadamente consumidores, lojas para a venda directa ao público. Como a empresa está habilitada a concentrar todos os produtos exportáveis de um país, tem por isso com que encher qualquer estabelecimento desses; e o vulto e organização que forçosamente tem que ter, habilitam-a a dar sem receio esse passo. Essas lojas seriam, como é de ver, ao mesmo tempo agências da empresa, para a venda comercialmente directa, isto é, aos retalhistas do pais onde estivesse.
As vantagens permanentes da realização deste projecto são as seguintes, seguindo a ordem numerada dos elementos acima expostos, dinamicamente componentes do projecto central.
(1) Substituindo à pequena a grande indústria pelo processo do agrupamento, isto é, no próprio campo da pequena indústria, a empresa pode produzir, apresentar e distribuir os produtos de qualquer das pequenas indústrias suas componentes como essa pequena indústria, se fosse independente, não poderia fazer, o vulto e organização concentradora e distribuidora da empresa de conjunto habilitam-a a isso. Acresce que, se o lucro líquido de uma pequena indústria pode ser pequeno, o mesmo já não se poderá dizer do lucro líquido de cem ou duzentas pequenas indústrias; e, se as secções de concentração e de vendas da empresa grande envolvem talvez, relativamente a cada indústria, mais despesa que o pequeno escritório dessa empresa envolveria, sem dúvida que o acréscimo de produção, que a empresa grande pode imprimir-lhe, assim como o acréscimo de vendas, que resulta de uma secção de vendas desenvolvidamente organizada, compensam e sobrecompensam esse, aliás hipotético, aumento de despesa.
(2) A tentaculização de vendas, em que é a empresa mesma que percorre com a sua própria organização o caminho económico da fábrica ou da secção de concentração até ao retalhista ou ao consumidor, elimina o intermediário secundário (agente) e, onde seja possível, o primário (retalhista), e assim absorve para si os lucros que aqueles teriam, acrescendo que a indispersão desses lucros a habilita a concorrer com mais facilidade.
(3) Concentrando, aperfeiçoando quanto à sua apresentação, e distribuindo os produtos de indústrias alheias, a empresa desloca o intermediário casual, absorvendo-lhe o lugar, porque tem uma rede de distribuição que ele não pode ter; pode vender directamente ao público, o que ele em geral não pode fazer; e está habilitada a aperfeiçoar a apresentação dos produtos, para o que, ordinariamente, lhe falta a ele competência.
(4) Organizando, na devida grande escala, a exportação de toda a espécie de produtos, a empresa desloca e absorve o lugar do intermediário de exportação, pois que, por uma série de razões aproximadamente idênticas às que citaram, com referência ao intermediário-agente, no parágrafo anterior, mais competentemente pode atingir os mercados estrangeiros.
(5) Finalmente, indo até ao próprio consumidor estrangeiro, a empresa elimina dois intermediários de lá (o agente e o retalhista) e um intermediário de cá (o exportador), absorvendo para si os lucros que ficariam nas mãos deles, no percurso económico do produtor nacional até ao consumidor estrangeiro.
Além destas vantagens permanentes, e inerentes à própria índole da empresa, o estabelecimento desta em uma ocasião como a presente em Portugal seria produtivo de outras — as que um empreendimento exclusivamente industrial e de exportação deriva da desvalorização da moeda do país onde se estabelece.
Ninguém poderá, com qualquer espécie de justiça, acusar este projecto central de ser, ou pouco original, ou artificial na sua estrutura, ou pouco vasto e, por isso, pouco interessante.
Pode parecer pouco original, porque um ou outro dos detalhes, ou uma outra parte desses detalhes, que ele inclui, pode talvez ocorrer com maior ou menor facilidade. Se assim é, o certo é que ocorrerá, por assim dizer, inorganicamente, isto é, sem que seja produto de uma só ideia central, que o gera, como a outros detalhes, no seu desenvolvimento lógico e na sua ampliação prática. A originalidade está no conjunto do projecto, na relacionação orgânica das suas partes componentes, e na ideia central que ele, e ela assim relacionadas, assentam.
Pode parecer artificial na sua estrutura, isto é, pode parecer que é abusivo, e sobreposto o critério pelo qual as secções de concentração e de vendas da empresa passam a ser aplicadas à concentração e venda também de produtos alheios. Pode objectar-se que idêntica aplicação se pode dar a qualquer secção de vendas de qualquer grande indústria. Não é assim. O critério de converter as secções de concentração e de vendas em organismos independentes, servindo à concentração e venda de produtos estranhos, não deriva do vulto da empresa, mas sim do facto de ela ser uma empresa essencialmente agrupadora, o que qualquer grande indústria não é. A ideia de agrupamento é fundamental no projecto, e é da ideia de grande agrupamento que nasce, sem artifício nenhum, o critério de tomar extensivas as funções desse organismo de concentração a produtos aproveitáveis de indústrias estranhas.
Tão-pouco se poderá dizer que é pouco vasta, e por isso escassamente interessante, uma ideia que é, em resumo, qualquer coisa como um esboço de trust das pequenas indústrias, e até, quase, da exportação. Devidamente realizada, não seria por certo pela sua mesquinhez que a atacariam.
Uma empresa constituída para os fins e com os intuitos indicados nas considerações precedentes, teria, pois, para a dinâmica da sua vida uma organização estática orientada por três secções, a primeira industrial, a segunda de concentração e compras, a terceira de vendas e exportação.
Nos capítulos anteriores esboçou-se nitidamente a que modos de actividade corresponde cada uma destas três secções. Resta aprofundar um pouco mais o sentido concreto desses modos de actividade, para que se veja, no resumo dos seus detalhes, em que consistiria a vida da empresa, (nas suas) três secções.
A secção industrial ocupar-se-ia do estabelecimento das indústrias, da sua direcção técnica superior, e da orientação também técnica, onde fosse precisa, de quaisquer indústrias alheias, cujos produtos a empresa tomasse para venda, e o aperfeiçoamento da apresentação dos quais tivesse por base ou elemento essencial qualquer aperfeiçoamento no próprio modo de fabrico. A sua acção inclui a discriminação de em que casos, quanto aos produtos próprios, se deve estabelecer oficina para o fabrico deles, e em que casos se deve entregar o seu fabrico à indústria alheia.
A secção de concentração e de compras ocupa-se de certo o fabricá-los (?) se relaciona com aquisição e preparação para venda (isto é, apresentação) dos produtos a distribuir. Com respeito aos produtos próprios, a actividade desta secção limita-se a orientar a sua apresentação e a concentrá-los para os entregar à secção de vendas. Com respeito aos produtos alheios, cabe a esta secção estudar em que casos simplesmente os compra, em que casos distintivamente os concentra; em que casos convirá obter a exclusividade de distribuição de certos produtos; em que casos será preciso orientar a sua apresentação; em que casos será preciso ou conveniente subordinar esses produtos alheios, concentrados ou comprados para venda, a marcas privativas da empresa concentradora.
A secção de vendas e de exportação tem a sua actividade explicada pelo seu nome. Compete-lhe, como é de ver, a distribuição e venda dos produtos pelo país e no estrangeiro; os problemas que tem a resolver, à parte os de mero detalhe ou de ocasião, são essencialmente de três espécies:
(a) Quanto às vendas no país, onde, como e quando devem ser estabelecidas as lojas para a venda directa ao público; onde não estejam estabelecidas, ou enquanto o não estão, de que forma mais rápida e hábil organizar as vendas, olhando sempre ao critério fundamental de que, onde se não possa fazer a venda directa ao público, se deve pelo menos fazê-la aos estabelecimentos de retalho, sem intermediário algum, e fazendo por que a primeira forma de venda vá gradualmente substituindo a segunda.
(b) Quanto à simples exportação, onde convém fazê-la por venda directa ao lojista, onde por venda ao intermediário importador, e onde por meio de agente distribuidor. Neste caso o critério é idêntico ao que se aplica no caso anterior: fazer sempre, e onde ou enquanto se não possa estabelecer a forma de venda descrita infra (c), por que a primeira forma de venda prime sobre as outras duas, e, das duas outras, a primeira sobre a segunda, para evitar a prisão que uma agência envolve. Só em países afastados, e enquanto as relações com os compradores desses países se não estabelecem organizadamente, vale a pena estabelecer agentes, sobretudo para que possam tomar a responsabilidade das vendas ali feitas.
(c) Quanto às vendas no estrangeiro por lojas, onde, como e quando devem ser estabelecidas; de que modo, sobretudo, devem relacionar-se com a sede da empresa. Esta última frase refere-se ao caso que esses estabelecimentos podem ser instituídos, ou de forma absolutamente autónoma, sendo, desde o princípio, abertos pela própria empresa, ou por combinação com proprietários de lojas, aproveitando estas para a venda ao público dos produtos que a empresa concentra e exporta.
O trabalho de uma empresa destas, uma vez ela em marcha, orienta-se por meio de uma direcção em que há três cargos directivos distintos, e por quatro ou cinco gerentes.
Tendo devidamente presente a diferença funcional (simples, mas ignorada por muita gente) entre o cargo de director e o de gerente, ver-se-á que há nesta empresa três funções, de ordem propriamente directiva, a exercer. Há a de director-organizador, que é o que dirige e orienta, através de todas as gerências, a materialização, ou realização prática, do plano aqui delineado. Há a de director financeiro, que é o que, através de todas as gerências, orienta a empresa no sentido que o seu nome indica. E há a de director chefe de serviços, que tem a seu cargo a orientação, através de todas as gerências, da empresa, não como materialização de um plano, mas como conjunto de serviços em marcha.
Os quatro ou cinco gerentes são, um da secção industrial, um da secção de concentração e compras, e dois ou três da secção de vendas e exportação, sendo um da subsecção de vendas no país, um da subsecção de exportação, e, quando os estabelecimentos de retalho no estrangeiro sejam de número e de importância para justificá-lo, um gerente-inspector desses estabelecimentos.
Estes detalhes abrangem o conjunto da organização, por assim dizer, estática da empresa; outras quaisquer, como dependem da orientação da sua marcha, isto é, da sua organização dinâmica, não podem — nem, em boa organização, devem — ser previstos ou delineados na fase antepreparatória, que é a da simples exposição do projecto.
O que ficou exposto abrange toda a organização da empresa, excepto o conteúdo dela. Sabe-se que é uma empresa agrupadora de indústrias, com os ramos de actividade derivados de o ser. Mas que indústrias vai a empresa agrupar? Não pode agrupar todas; não pode aspirar a ser uma espécie de trust universal. Tem que agrupar, portanto, segundo um critério de agrupamento, escolhendo certa ordem ou grupo de indústrias (grupo embora vasto) para constituir o seu âmbito. A melhor maneira de resolver o problema é vermos quais são os grupos lógicos em que as indústrias se dividem; quando o virmos, poderemos então escolher, de entre esses grupos, qual aquele que se presta, ou quais aqueles que se prestam, a constituir base para uma empresa deste género.
A melhor classificação das indústrias, pelo menos para o fim presente, é talvez segundo o que lhes serve de origem. Seguindo este critério, vemos que, adentro de qualquer país, as indústrias se dividem em três grupos, que podem ser denominados, (1) as indústrias naturais, (2) as indústrias necessárias, (3) as indústrias de invenção.
(1) Indústrias naturais são aquelas que aparecem em um país, desde que nele surja indústria, em virtude de nele serem abundantes as matérias-primas para elas. Desde que haja uma indústria de conservas de peixe, por exemplo, ela formar-se-á espontaneamente e naturalmente em um país onde a pesca seja natural e abundante.
(2) indústrias necessárias são aquelas que em qualquer país, desde que surja indústria, têm por força que aparecer, seja como for, bem ou mal executadas, visto que o seu aparecimento é motivado pelas necessidades fundamentais humanas. Assim, como o homem tem que vestir-se, a indústria do vestuário aparece em todos os países, tenham ou não que ser importadores das matérias-primas para ela. Pode ser um país hipotético não ter materiais de construção; como, porém, tem nele que haver casas, forçosamente, e seja como for, há-de surgir nele a indústria das construções, ainda que tenha que importar todos os materiais de que se serve.
(3) Industrias de invenção são aquelas que (não) nascem da abundância de matérias-primas, que as sugira, nem da necessidade humana, que as torne inevitáveis. Nascem da invenção, da descoberta de novos processos ou de novos artigos; e, sendo tanto mais fáceis de realizar quanto mais abunde, no país onde surgem, as matérias-primas que lhes servem de base, a sua origem, contudo, não está nessas matérias-primas, mas em uma ideia que as aproveita. As indústrias artísticas, em que, como nas propriamente de invenção, a ideia é o principal e a matéria secundária é apenas o meio de realização, pertencem também a esta categoria. Em boa lógica, as próprias artes podem ser consideradas como indústrias desta espécie.
Esta divisão não é logicamente estanque, pois há indústrias que podem ser classificadas, ao mesmo tempo, em duas, ou em todas as três, destas categorias. Não há, porém, classificação alguma perfeita; a que acaba de fazer-se é talvez a melhor possível, e com certeza serve perfeitamente o fim a que a destinamos.
Ora é evidente que, para o caso da empresa projectada, o segundo grupo de indústrias não tem aproveitamento. As indústrias de necessidade são heterogéneas, porque as necessidades humanas são heterogéneas; e a heterogeneidade é precisamente o contrário de um critério de agrupamento, sendo, antes, uma razão de dispersão. Acresce que há indústrias necessárias que, como a dos transportes, não produzem artigos, mas conveniências; ora estas, por sua natureza, estão fora do âmbito essencial de uma empresa que tem por base o produto manufacturado ou, pelo menos, tangível e exportável.
Temos, pois, que, do género que se projecta, pode haver duas empresas — uma baseada nas indústrias naturais, outra baseada nas indústrias de invenção.
É aqui que o projecto fundamental, teoricamente delineado nos capítulos precedentes, se concretiza praticamente em duas empresas diferentes. Estudaremos, uma após a outra, essas duas empresas projectadas; e, como estamos agora já plenamente no campo concreto, estudá-las-emos em relação a um país determinado, que, no caso presente, será Portugal.
As indústrias a que chamámos naturais são as que mais exactamente se ajustam à natureza da empresa projectada, tanto porque são as indústrias que implicitamente envolvem exportação, quanto porque o critério de concentração é evidente no caso delas — é um critério de facilidade natural, de acessibilidade fácil de matérias-primas.
Há, porém, que considerar. Há duas espécies de indústrias naturais. Há, primeiro, as indústrias naturais primárias, isto é, as que exploram directamente os recursos ou as possibilidades naturais do país; tais são, por exemplo, as indústrias agrícolas, a pecuária, a pesca, a exploração mineira. Há, em segundo lugar, as indústrias derivadas dessas, naturais também se as indústrias primárias, de onde se derivam, são naturais no país; estas são, por exemplo, a moagem, a indústria vinícola, a preparação de carnes, de frutas, de peixe, a indústria siderúrgica — indústrias, enfim, a que se pode chamar com propriedade indústrias de preparação e de acondicionamento. Quais são as que vão constituir a base de agrupamento da empresa que se projecta? Ou essa empresa agrupará ambas?
Ora, destes dois grupos, o primeiro consta de indústrias cujas bases materiais são demasiadamente diversas para que elas possam ser exercidas competentemente por uma só empresa. A agricultura, a pesca, a exploração mineira, por exemplo, estão a uma grande distância técnica umas das outras. Para o exercício de cada uma dessas indústrias naturais primárias seria precisa uma empresa grande e exclusiva. Não tem sentido uma empresa directamente agrupadora delas todas; seria já, não tanto uma empresa, ou mesmo um trust, quanto um verdadeiro estado industriaL
O segundo grupo, sim. Há de comum às indústrias, que o compõem, não só o serem “naturais”, mas também o serem de preparação e acondicionamento, como se disse. Isto faz que, embora sejam bastante diversas, pertençam todavia ao mesmo tipo técnico.
É esta, pois, a empresa agrupadora que há a formar. O ideal da sua formação seria, por certo, uma federação ou consórcio de indústrias desta espécie, englobando bons e grandes produtores em cada indústria constitutiva. Por este processo — o da federação ou consórcio — grande parte da secção industrial da empresa ficaria imediatamente estabelecida, pois que já o estava. Haveria só que organizar, na devida escala correspondente, e segundo as indicações já dadas, as secções de concentração e de exportação e de vendas.
Reunindo, neste sentido, desde uma forte empresa vinícola a uma forte empresa de conservas de peixe, desde uma empresa preparadora de carnes e de frutas a uma empresa transformado- ra de produtos coloniais, e assim sucessivamente, a federação industrial coincidiria exactamente com a empresa que aqui se delineou, e a sua marcha traria por certo as vantagens que apontámos. Excluir-se-ia, possivelmente, a industria siderúrgica, não tanto por estar por estabelecer ainda no país, quanto porque constitui uma especialidade técnica à parte, e está já no número de indústrias que classificámos de “grandes” por oposição às que denominámos “pequenas”, num sentido especial, no capítulo primeiro deste estudo.
Ficaria, assim uma empresa definida, agrupadora das indústrias derivadas da exploração agrícola, e suas acessórias, da exploração marítima e da exploração colonial, excluindo-se apenas as derivadas da exploração metálica do subsolo (porque escusávamos de excluir a cerâmica e as águas minerais, por igual derivadas da exploração do subsolo).
Esta empresa motivaria, como se disse, e alimentaria, uma complexa e forte organização de concentração, de venda e de exportação, com a tentaculização de vendas, que preconizámos, e a independência de secções, que se indicou como resultante.
Pela sua secção de concentração, e derivadamente pela de exportação de vendas, a empresa exportaria ou venderia no país os produtos das indústrias que não inclui, ou que de princípio não incluísse — quer das indústrias naturais primárias, quer das indústrias naturais derivadas, estranhas ao seu âmbito.
De resto, o âmbito industrial da empresa poderia mesmo, subsequentemente, estender-se a algumas das indústrias primárias, se nisso houvesse vantagem para as indústrias derivadas, baseadas naquelas, que a empresa agruparia. Seriam casos a estudar. Esse alargamento da actividade industrial da empresa para fora do seu âmbito determinado seria, porém, uma derivação — embora, proveitosa — da sua actividade logicamente agrupadora.
É talvez desnecessário acrescentar que, na maioria das indústrias que agrupasse, a empresa deveria olhar cuidadosamente ao aperfeiçoamento técnico, seguindo os processos mais recentes, e assim, pela sua secção industrial, não só agrupar, mas também aperfeiçoar e transformar as indústrias agrupadas.
Emergeria talvez, acessoriamente, deste organismo global uma organização de transportes, possivelmente mesmo marítimos (ampliável por uma organização de armazenagens), que seria, como as organizações de concentração e de vendas, embora acessoriamente e não derivadamente como essas, uma outra entidade independente adentro da empresa, se bem que subsidiária desta.
Como, conforme acima se disse, a empresa agora delineada se ajusta exactamente, e em tudo, ao tipo de empresa que se delineou nos capítulos anteriores, não havendo portanto coisa alguma a acrescentar, ou a abater, aos detalhes então dados sobre a sua organização integral, o estudo, pelo que respeita a este primeiro género de empresa agrupadora, pode considerar-se completo.
Seria, por certo, um dos maiores empreendimentos industriais tentados no país. E, se a sua realização prática se não desviasse muito daquela que se delineou, nada ficaria a dever, tão complexamente completa seria a sua organização, à mais estudadamente estabelecida das indústrias do estrangeiro.
Lisboa, 28 de Fevereiro de 1922
Páginas de Pensamento Político. Vol II. Fernando Pessoa. (Introdução, organização e notas de António Quadros.) Mem Martins: Europa-América, 1986.
- 174.1ª publ. in Fernando Pessoa - O Comércio e a Publicidade. António Mega Ferreira. Lisboa: Cinevoz/Lusomedia, 1968