Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Fernando Pessoa

Chove?... Nenhuma chuva cai...

Chove?... Nenhuma chuva cai...

Então onde é que eu sinto um dia

Em que o ruído da chuva atrai

A minha inútil agonia?

 

Onde é que chove, que eu o ouço?

Onde é que é triste, ó claro céu?

Eu quero sorrir-te, e não posso,

Ó céu azul, chamar-te meu...

 

E o escuro ruído da chuva

É constante em meu pensamento.

Meu ser é a invisível curva

Traçada pelo som do vento...

 

E eis que ante o sol e o azul do dia,

Como se a hora me estorvasse,

Eu sofro... E a luz e a sua alegria

Cai aos meus pés como um disfarce.

 

Ah, na minha alma sempre chove.

Há sempre escuro dentro em mim.

Se escuto, alguém dentro em mim ouve

A chuva, como a voz de um fim ...

 

Quando é que eu serei da tua cor,

Do teu plácido e azul encanto,

Ó claro dia exterior,

Ó céu mais útil que o meu pranto?

1-12-1914

Cartas de Fernando Pessoa a Armando Côrtes-Rodrigues.

(Introdução de Joel Serrão.)Lisboa: Confluência, 1944 (3.ª ed. Lisboa: Livros Horizonte, 1985).