Não sem lei, mas segundo leis diversas
Não sem lei, mas segundo leis diversas
Entre os homens reparte o fado e os deuses
Sem justiça ou injustiça
Prazeres, dores, gozos e perigos.
Bem ou mal, não terás o que mereces.
Querem os deuses a isto obrigar
Porque o Fado não tem
Leis nossas com que reja a sua lei.
Quem é rei hoje, amanhã escravo cruza
Com o escravo de ontem que é depois rei.
Sem razão um caiu,
Sem causa nele o outro ascenderá.
Não em nós, mas dos deuses no capricho
E nas sombras p'ra além do seu domínio
Está o que somos, e temos,
A vida e a morte do que somos nós.
Se te apraz mereceres, que te apraza
Por mereceres, não porque te o Fado
Dê o prémio ou a paga
De com constância haveres merecido.
Dúbia é a vida, inconstante o que a governa.
O que esperamos nem sempre acontece
Nem nos falece sempre,
Nem há com que a alma uma ou outra cousa espere.
Torna teu coração digno dos deuses
E deixa a vida incerta ser quem seja.
O que te acontecer
Aceita. Os deuses nunca se rebelam.
Nas mãos inevitáveis do destino
A roda rápida soterra hoje
Quem ontem viu o céu
Do transitório auge do seu giro.
Poemas de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte.) Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1994.
- 82.