Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Fernando Pessoa

EPITALÂMIO – II - T

EPITALÂMIO

                II

Afastai nas janelas a cortina breve

Que menos que à luz a vista só proscreve!

Olhai o vasto campo, como jaz luminoso

Sob o azul poderoso

E limpo, e como aquece numa ardência leve

Que na vista se inscreve!

Já a noiva acordou. Ah como tremer sente

O coração dormente!

Os seios dela arrepanham-se por dentro numa frieza de medo

Mais sentido por crescido nela,

E que serão por outras mãos que não as suas tocados

E terão lábios chupando os bicos em botão.

Ah, ideia das mãos do noivo já

A tocar lá onde as mãos dela tímidas mal tocam,

E os pensamentos contraem-se-lhe até ser indistintos.

Do corpo está consciente mas continua deitada.

Vagamente deixa os olhos sentir que se abrem.

Numa névoa franjada cada coisa

Se ergue, e o dia actual é veramente claro

Menos ao seu sentir de medo.

Como mancha de cor a luz pousa na palpebrada vista

E ela quase detesta a inescapável luz.

1913

«Epithalamium». in Poemas Ingleses. Fernando Pessoa. (Edição bilingue, com prefácio, traduções, variantes e notas de Jorge de Sena e traduções também de Adolfo Casais Monteiro e José Blanc de Portugal.) Lisboa: Ática, 1974.

 - 129.

Tradução de Jorge de Sena