Porque, (provado que o movimento não existe)...
Porque, (provado que o movimento não existe) (que todos os materiais com que é feito o universo estão em desacordo com a lógica), vê-se que, ou a lógica é a realidade e a verdade, ou o é o mundo, ou nenhum deles é verdadeiro e real.
Se a lógica é real, nesse caso o mundo, não obedecendo a ela, é fundamentalmente ilógico e irreal portanto — indigno, em vista disso, do olhar da alma do sábio, da atenção. Coloquemos, portanto, noutra parte a necessária realidade.
Se a realidade é o mundo e não a lógica, cessa o poder de qualquer raciocinador sobre as nossas ideias do mundo. Se realidade é sinónimo de ilogismo, de que valem argumentos contra qualquer coisa? Ou o critério da verdade é outro, ou não há critério da verdade — o que nos induz, no 1º caso a procurar achar, conforme podemos ou concebemos que podemos, esse critério; no 2º caso a, renunciando procurar esse critério, ou entregarmo-nos ao critério individual — à laia de Protágoras — como, tendo de natural o ser o que está na natureza e na naturalidade do indivíduo, ou desenvencilharmo-nos de todo não só de procurar qualquer critério de verdade, mas de nos importar com o que seja verdade ou não, indiferentes ao fundamental e sério das coisas.
E considerados a lógica com o mundo como irreais, nada mais há senão desinteressarmo-nos da verdade e de a não procurar para sempre, porque não há emoção que no-la dê.
Quem não vê, porém, que tanto vale dar a lógica por irreal ou a realidade por ilógica? Que as duas teorias se reduzem, fundamentalmente, a uma teoria só? — ao mesmo, donde partimos, desacordo entre a lógica e a realidade, pelo menos exterior, do universo...
O argumento, porém, está incompleto. Criticamos tudo em vista da ideia de verdade. Resta-nos criticar essa ideia. Porque metemos, sem pensar, o pensamento numa vasilha cuja capacidade não sabemos. O que é a verdade, num anjo?
Uma coisa que Cristo não soube definir.
A noção de verdade é ela própria lógica.
Se verdade , portanto, é uma noção oriunda da lógica , o que é realidade ?
Não façamos crítica filológica! De resto talvez todo o filósofo seja um filólogo a sonhar.
Textos Filosóficos . Vol. II. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968.
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