Álvaro de Campos
AH, UM SONETO...
AH, UM SONETO...
Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear...
No movimento (eu mesmo me desloco
nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.
Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.
Mas — esta é boa! — era do coração
que eu falava... e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação?...
s.d.
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).
- 291.1ª publ. in Presença, nº 34. Coimbra: Fev. 1932.