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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

FAUSTO: - Não descreio de Deus, passei p'ra além...

—                                      ...Deus

                FAUSTO:

Não descreio de Deus, passei p'ra além...

Um dia, meditando

Uma ideia espontânea e horrorosa

Como um vulto supremo sem ter vulto,

Surgiu no fundo do meu pensamento...

Como a noite corporizada, e o medo

Vestindo-a, e (...)

Apareceu-me Deus em esqueleto...

Tudo despira do seu corpo ideal

Não de infinito só, de inatingível,

Mas mesmo de mais do que inatingível.

Até ao fundo do seu ser abstracto

O meu ser despi, e eu vi o (...)

Esqueleto (...) do Mistério...

O informe tomou forma dentro em mim...

Ah inda hoje, se relembro, sinto

Como um medo no longe, um pavor negro

Não em mim, mas em todo o Universo,

Um arrepio pelas estrelas fora

E um grande horror arrepanhando os céus

Como à humana pele que tem medo...

                         (treme)

— Isso é um pensamento...

                FAUSTO:

                                Se eu pensei

Isto, se isto me foi possível

É crível que a verdade seja

Mais profunda que o meu pensamento.

Como pensei eu cousas mais profundas

Do que a verdade em si?

Apareceu-me o Universo íntimo

Do misterioso avesso... E eu vi, (...)

O outro lado das cousas, não das cousas

Aparentes apenas, mas o outro

Lado até do Essencial, do Inaparente,

Do além-divino e do Divino em Deus...

Tinha a forma, sensível aos meus olhos

Do espírito, dum imenso céu estrelado.

Mas eu, com nítida visão de dentro,

Via que era infinito, como se visse

Em corpo e forma (...) [...]

E sob o meu olhar apavorado

Vi o nosso sistema do universo

Mais perto... A ideia abstracta e nua,

A vida extrema e última de nós.

O Ser, o ser abstracto e (...)

Era um sol — sol de (...) e seguia

Como da circunferência para o centro

(Não como nós que vemos sempre — e em sonho

É o mesmo (do centro sempre p'ra o espaço,

Real ou suposto nessa circunferência) —

Eu vi, e cada sol e seu sistema

Ia em outros sóis e outros sistemas

Na órbita de sóis mais interiores

(O centro de cuja circunferência

Eu via em infinito para dentro,

Não para fora como infinito mesmo)

E o nosso mundo como um deus nele

Era um mero satélite

De um sol do só primeiro sistema

Raiando a ideia sobre o seu mundo.

Infinito interior ao interior!

Pavorosa agonia do Profundo!

Vacuidade e realidade negra

De tudo!

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

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