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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Quando acorda p'ra vida o pensamento

Quando acorda p'ra vida o pensamento

E sente a luz e (...) do existir

Diz «Tudo é bom». Depois, exausto já

O que ao ser a novidade (...)

Exausta a variedade invariável

Da vida, diz (...) «tudo é mau».

Mas, acordando mais o raciocínio,

Pensa que mal é o nome universal

Do limitado que se sente

Limitado, e diz «tudo é limitado

E porque é limitado é tudo mau»

E então como (...) uma esperança

Nasce, de que outra vida possa vir

E fazer esquecer ou relembrar

Em loucas transcendências esta vida,

[...]

Mas se além vai o duro pensamento,

Se mais pensa e mais (...)

Vê que o mundo, o universo, enfim o Ser

Transcende na sua essência incognoscível

(Única essência, pois o ser é o ser)

Bem e mal, limitado e ilimitado.

E quanto o pensamento assoberbado

Aqui chega e enfim se reconhece

À verdade chegado, vê que a orla

Da terra do pensar é procurar

Ter um mar que (...) não navegue.

A verdade esta é e eu a achei.

Achei-a, não a achando; conheci-a,

Reconhecendo-a sempre incognoscível,

Não vulgarmente, com a isenção

Do filósofo cinto em (...)

Mas pensei-a sentindo-a, e assim estou,

De ter chegado aqui pávido e mudo,

Orgulhoso de ter chegado aqui,

E orgulhoso e irado de não poder

Manifestar (que palavras não o dizem)

Aos homens o que sinto e o que penso

E até onde penso e onde sinto.

Nesta desolação de pensamento

Minha alma rígida reside e sorve

O fel do incognoscíel compreendido

Pelos poros doridos do pensar.

O incognoscível compreendido enfim

E incognoscível sempre. Aqui ninguém

Chega nem chegará.

                                Orgulho vão.

A que vens? Não sei eu o que tu és?

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

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