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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Algum pronto a morrer pelo terror

Algum pronto a morrer pelo terror

Da tempestade, que se encontra só

Numa planície vasta, ou vasto oceano,

E onde ele, sem abrigo ou falso abrigo,

Logra, sem se iludir, qu'rer iludir-se

Em terror, rugem (...) e desabam

Os terrores em luz, e som e abismo

Da tempestade e que, mais do que trémulo,

Mais que convulso no terror extremo,

Pensa já perto da loucura, quanto

(...)

Fugir mais do que em si, desaparecer,

Sumir-se, dessentir-se (...)

(...)

Mais do que não viver por não sentir;

E todo o horror das convulsões que os céus,

O nosso todo, (...) ruge e estala

E todo o corpo dele é um sentido

Para sentir pavor, e cada poro

É sentiente e consciente e agudo

Em ter uma atenção de terror cheia;

E o aflito e convulso nunca logra,

Como na dor e na tristeza, ter

Uma apatia e uma (...)

Mas cada grito e laivo da tormenta

Mais, mais e mais o faz viver e ser

Para o medo, na estrada sem limites

Que só o medo trilha; consciente

Ah, horrorosamente consciente

E pávido e convulso, nem dorido

Nem (...) de mágoa ou de desejo

Mas quer choraudo, ou (...) ou estorcendo-se,

Unicamente do terror escravo

E sempre mais o escravo do terror (

Assim eu sou. Assim meu pensamento

É confrangido e apavorado além

De tudo que sou, assim

Cada poro da alma se me torna

Um sentido para pensar, um alvo

Ao terror, uma alma para ser

Apavorada do mistério e (...)

Mas não é sempre a tempestade, e em mim

O mistério está sempre; e (...) torna

Para a planície tão desabrigada

Que só a tempestade nos encima.

Não para mim no horror do pensamento

Não só a toda a hora me confrange

Mas não lhe fujo, não lhe fujo, horror!

E ao terror do (...) ao menos quem morre

No desespero e auge do pavor,

Sabe que foge, mas a morte a mim

(Oh supremo tormento que há no medo)

Aproxima-me disso que me esmaga

De apavorado. Quer em vida ou morte,

O terror sob a forma do infinito

Está comigo, desmedidamente

Presente.

Mas a tempestade

Acabará, e há outro lugar onde

Não há a tempestade. Mas a este

Não lhe posso fugir nem conceber

Que ele se acabe ou que se abata ou seja

Outra coisa que não da alma minha

No que de universal e permanente

Tem.

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

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