Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Fernando Pessoa

O animal teme a morte porque vive,

O animal teme a morte porque vive,

O homem também, e porque a desconhece.

Só a mim me é dado com horror

Temê-la por lhe conhecer a inteira

Extensão e mistério, por medir

O infinito seu de escuridão.

Não que a conheça, não, nem compreenda

Mas que como ninguém meço e compreendo

Toda a extensão do seu mistério negro.

Para esta minha dor não foram feitas

Palavras que expressem e nem mesmo

Sentimento que a sinta como tal.

Dor que transcende o verbo e o sentimento

Criando um sentimento para si

Do qual o Horror é apenas a aparência

Pensável e sensível do exterior.

Indefinível sentimento fundo

Que me foge quando eu a analisá-lo

Me preparo e só deixa como um rasto

Da fantásmica luz de escuridão

À qual cerrar os olhos d'alma tenho.

O horror cabe bem n'alma, mas aqui

Não me cabe uma alma neste horror. Além

Do vulgar medo à extinção suprema

Há a épica aceitação da morte

E além d'ambas este perder d'alma

Num escurecido e lúcido terror.

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

 - 168.

1ª versão inc.: “Primeiro Fausto” in Poemas Dramáticos. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de Eduardo Freitas da Costa.) Lisboa: Ática, 1952 (imp.1966, p.132).