Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Fernando Pessoa

Morrer — esta palavra toda horror —

Morrer — esta palavra toda horror —

Repito-a e re-repito-a para ver

Se aumenta em mim 'té à compreensão

O pensamento e sentimento vagos

Que produz, e dos quais a intensidade

Em contraste com esse vago imenso

Faz dum horror um horror supremo;

Repito sim —  Morrer —  e não obtenho

Uma qualquer nitidificação

Do desolado caos do meu ser.

Agonia suprema! Suma dor

Não poder eu — sem morte, sem (...)

Tornar-me em um estranho inanimado

D'inconcebida essência que encontrasse

O impensável desejo da minha alma.

Tudo é mistério e o mistério é tudo

E a mais próxima forma, essa mais nossa

A sua forma mais (...)

É a morte.

Uns têm — e é sofrer — o duvidar:

Há Deus ou não há Deus? Há alma ou não?

Eu não duvido, ignoro. E se o horror

De duvidar é grande o de ignorar

Não tem nome nem entre os pensamentos.

Hesitar: «Há Deus ou não há?» é triste

Mas saber: «Não há Deus» e perguntar

«O que há então?» Aqui dúvida e ânsia

Por humildes em dor não se concebem.

Eu, Fausto, achei a ciência suprema

Que o homem pode ter; nela encontrei

O (...) de desolação

D'ânsia, d'horror, de medo, de delírio,

De hesitação, de estranheza na terra,

De vacuidade em mim e em todo o mundo,

E em todo o pensamento e em todo o Ser.

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

 - 169.