[Rascunho dum prefácio para o «Cancioneiro» de Fernando Pessoa]
Fixar um estado de alma, ainda que o não seja, em versos que o traduzam impessoalmente; descrever as emoções que se não sentiram com a própria emoção com que se sentiram — é este o privilégio dos que são poetas porque, se o não fossem, ninguém os acreditava.
Há poetas que fazem isto conscientemente, como Fernando Pessoa. Há poetas que fazem isto inconscientemente, como Fernando Pessoa.
Sou demasiado amigo de Fernando Pessoa para dizer bem dele sem me sentir mal: a verdade é uma das piores hipocrisias a que a amizade obriga.
Se o leitor achar injustas as palavras que precedem estas, suponha que escrevi as que julga justas. O que estiver bem estará bem sem nenhum de nós.
De resto, o único prefácio de uma obra é o cérebro de quem a lê.
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1996.
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