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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Ricardo Reis

Feliz aquele a quem a vida grata

Feliz aquele a quem a vida grata

Concedeu que dos deuses se lembrasse

        E visse como eles

Estas terrenas coisas onde mora

Um reflexo mortal da imortal vida.

Feliz, que quando a hora tributária

Transpor seu átrio porque a Parca corte

        O fio fiado até ao fim,

        Gozar poderá o alto prémio

        De errar no Averno grato abrigo

        Da convivência.

Mas aquele que quer Cristo antepor

Aos mais antigos Deuses que no Olimpo

        Seguiram a Saturno —

O seu blasfemo ser abandonado

Na fria expiação — até que os Deuses

De quem se esqueceu deles se recordem —

Erra, sombra inquieta, incertamente,

        Nem a viúva lhe põe na boca

        O óbolo a Caronte grato,

        E sobre o seu corpo insepulto

        Não deita terra o viandante.

12-9-1916

Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994).

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