As figuras de amadas, que aliás não existem como figuras,
As figuras de amadas, que aliás não existem como figuras, nos versos de Ricardo Reis são abstracções às avessas, ou vistas do avesso. Não são abstracções no sentido de serem abstractas, mas no sentido de terem apenas a realidade necessária para serem consideradas como existindo. São Chloes, Lydias e outras romanidades assim, não porque não existam, mas porque para o caso tanto vale ser Chloe como Maria Augusta, e, ao passo que esta última faz supor uma costureira, ou coisa parecida, com a agravante de o poder ser deveras, a gente sente-se realmente pagão com a Lydia.
No que o Reis tem muita sorte é em escrever tão comprimidos que é quase impossível seguir com a precisa atenção - supondo que ela é precisa - o sentido completo e exacto de todos os seus dizeres. É isso que faz com que aquela ode que começa: «A flor que és, não a que dás, eu quero» (pasmem, aliás, do «eu» antes do «quero», contra toda a índole linguistica portuguesa do Ricardo Reis!) disfarce que é dirigida a um rapaz, pois poucos há (perdidos como vão na escuridão sintáctica do poeta) que reparem no pequeno «o» que define a coisa.
«Se te colher avaro
A mão da infausta sphynge,» etc.
É a primeira vez que a sintaxe aparece como véu de pudor - delgado sendal, ou lá o que quer que seja, que cobre as partes do discurso.
Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.
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