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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Divisão das teorias integralistas:

Divisão das teorias integralistas: (1) o preconceito tradicionalista; (2) o preconceito nacionalista; (3) o preconceito da Disciplina; (4) o preconceito da ordem; (5) o preconceito anti-democrático e anti-individualista.

O sociólogo são, em vez de ir buscar ao passado e ao estrangeiro, sem crítica nem reflexão, as doutrinas que bóiam à tona da época, voltará, antes, a sua atenção para as circunstâncias mesológicas que constituem o ambiente nacional e civilizacional do povo sobre quem dirige a sua investigação. Procurará estabelecer quais são as correntes que caracterizam a época, e quais serão, portanto, as disciplinas inerentes a essas correntes.

Que este estudo seja mais difícil que a adopção singela de teorias estranhas, ninguém o poderá duvidar. Que um dispêndio de atenção e de vontade, uma concentração paciente, uma reflexão desapaixonada a sólida constituam as bases desta atitude, e, constituindo-as, se mostrem muito mais duras tarefas que a de imitar e compilar, isso também ninguém porá em dúvida.

Os caminhos da verdade, porém, — não falo já da inatingível verdade essencial das coisas, mas da comezinha verdade pragmática, da verdade transitória da acção — são ásperos e estreitos, como todos os que os trilharam souberam dolorosamente.

Eu não esperaria dos novos defensores de el-rei que fizessem esta obra. Não a faz qualquer, porque é preciso que um génio a faça. E muito menos a poderá fazer aquele que de antemão se prenda a uma doutrina, tradicionalista ou outra, agindo não como pioneiro do pensamento, mas como soldado raso de uma ideia externa.

Os novos patriotas, se deveras (como creio) o são, tinham amplo campo para uma actividade criadora, se tal actividade os atraí, na pugna por aqueles interesses da Pátria que dentro de todas as teorias , excepto aquelas teorias extremas que excluem a própria ideia de pátria, são necessários e justos.

Porque não pugnar por que os homens competentes sejam postos nos lugares que lhes competem? Porque não abrir uma campanha em favor das realidades úteis, indiscutíveis — a abolição da corrupção na vida política, a eliminação dos empecilhos partidários, tanta coisa cuja justiça toda a gente vê.

A unilateralidade de cultura dos integralistas prejudica gravemente a sua acção intelectual, no que valiosa. Não vivem fora da cultura francesa. Podem conhecer autores alemães, ingleses, italianos — mas conhecem-nos através do estado de espírito criado pela cultura francesa.

A maneira mais simples de fazer surgir num país uma ideia nacional é o conflito de culturas — atirar para dentro desse país mais do que uma influência estrangeira; uma neutralizará a outra, e no esforço de as confrontar e assimilar, o país desenvolve um espírito próprio, descobre-se finalmente, encontra-se.

O nacionalista tradicionalista vai ao passado para descobrir o presente. O nacionalista integral vai ao presente e ao passado para descobrir o presente. O nacionalista cosmopolita busca o presente apenas no presente (ex????).

Como se propõem os integralistas acordar o sentimento nacional? Pela tradição. Mas a tradição está quebrada, sobretudo nas classes dirigentes, que estão em contacto com o estrangeiro; onde não está quebrada , representa, não um nacionalismo, mas uma improgressividade chapada; é inconsistente e contraditória consigo própria.

s.d.

Da República (1910 - 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979.

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