Sendo certo — para VV. Ex.as como para mim — que a vida da nacionalidade...
Sendo certo — para VV. Ex.as como para mim — que a vida da nacionalidade é a substância dinâmica da vida da civilização, não podemos, porém, concordar quando se trate de determinar o que seja essa vida das nacionalidades.
Há três espécies de nacionalismo:
(1) Há o nacionalismo tradicionalista, que é o que faz consistir a substância da nacionalidade em qualquer ponto do seu passado, e a vitalidade nacional na continuidade histórica com esse ponto do passado. Diversos são os critérios com que se pode buscar esse ponto do passado, mas, seja qual for o critério que se emprega, a essência do processus é a mesma.
2) Há o nacionalismo integral, que consiste em atribuir a uma nação determinados atributos psíquicos, na permanência dos quais e fidelidade social aos quais, reside a vitalidade e a consistência da nacionalidade. O nacionalismo integral — por exemplo, Teixeira de Pascoaes — não se apoia na tradição, mas em um psiquismo colectivo concebido como determinado, em que essa tradição ou, tida como valendo, se apoia, ou, dada como sem valor permanente, se apoiou para existir,
(3) Há finalmente o nacionalismo sintético, que consiste em atribuir a uma nacionalidade, como princípio de individuação, não uma tradição determinada, nem um psiquismo determinadamente tal, mas um modo especial de sintetizar as influências do jogo civilizacional.
O Integralismo Lusitano é um nacionalismo tradicionalista.
O saudosismo de Teixeira de Pascoaes é um nacionalismo integral. Busca no passado a manifestação da alma nacional (suposta existente).
Outro, e diferente do de qualquer dos outros, é o processo adoptado pelo nacionalismo sintético. Para ele não há propriamente uma alma nacional; há apenas uma direcção nacional. Uma nação tem apenas, dados os factores inalienáveis de situação geográfica, um determinado papel no conjunto das nações, de que é formada uma civilização.
O nacionalista tradicionalista repele o presente e o estrangeiro. O nacionalista integral repele o estrangeiro. O nacionalista sintético aceita um e outro, buscando imprimir o cunho nacional não na matéria, mas na forma, da obra.
Qual tem razão? Cada um a tem em seu campo, mas o nacionalista integral é que a tem supremamente, porque só ele está em todos os campos ao mesmo tempo.
(Dentro desse papel cabem modalidades muito diversas de psiquismo nacional.)
O papel de uma nação forte e civilizada é imprimir um cunho seu aos elementos civilizacionais comuns a todas as nações do seu tempo.
Tem-se confundido a influência de uma nação estrangeira com a influência de muitas. O conflito cultural é que produz civilização. Estamos estagnados porque somos escravos — temos sido escravos de uma nação estrangeira de cada vez . Se tivéssemos recebido de cada vez correntes várias do estrangeiro ter-nos-íamos libertado. É preciso não eliminar a cultura francesa que nos escraviza, mas acrescentar-lhe outra cultura, em conflito com ela — cultura alemã ou inglesa pouco importa.
Da República (1910 - 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979.
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