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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Os períodos monárquicos ou têm, na alma da nação, prestígio moral...

Os períodos monárquicos ou têm, na alma da nação, prestígio moral e intelectual, ou não o têm. Se o tem de onde lhes advém tal prestígio? Das tradições da monarquia portuguesa? Elas são incontestavelmente de latrocínio, de incúria e de indisciplina. O que na República há de mau provém da desorganização do meio criada pela monarquia. Da monarquia vem o culto solene das incompetências. Os "escândalos" dos partidos republicanos, o seu compadrio, a sua indisciplina, estão na melhor tradição monárquica. Não tem a ideia monárquica prestígio moral e intelectual? Então ou vinga na alma da nação ou não vinga. Se vinga, tal facto importa uma desqualificação da nação por si própria. Se não vinga, a que vem a ideia monárquica? Se a ideia monárquica tem prestígio, esse prestígio — dado o carácter pouco decente da tradição monárquica — ou representa uma falta de senso moral da parte da nação, ou representa uma confiança absurda, dum messianismo de esquina, no aperto de uma monarquia futura.

Dos integralistas — que são criaturas novas e sem passado político —, todo o bem se pode admitir. Mas, para que isso pudesse ser, era preciso que os víssemos inteiramente desligados das outras monarquias — das que representam a monarquia falida. O contrário acontece: vemo-los unidos às outras monarquias juntos àqueles cuja chave [?] foi matar a Monarquia, e cujas teorias políticas parlamentaristas e (...) estão em desacordo com as deles.

Assim, em ponto algum dos grupos monárquicos nos aparece quem inspire confiança, porque os que a inspirariam, de per si, estão ligados àqueles que a não inspiram; e a circunstância de que as doutrinas políticas desses são apostas às deles, mais dúvidas nos traz sobre o valor moral e intelectual dos neo-reaccionários.

Unem-se, farisaicamente, para implantar a monarquia? — Qual monarquia? A parlamentarista e "liberal" que a maioria dos monárquicos quer? Julgam, ingenuamente, os integralistas, que lhes será fácil passar de tal forma monárquica a outra.? Como? Julgam os nossos Maurras que as suas vozes prevalecem ou virão a prevalecer contra a corrente monárquica, apenas monárquica? Julgam eles que o meio está transformado, que os imoralões de ontem serão outros, purificados de tudo, no poder? É a nós, é a si próprios, ou a quem é que os integralistas querem intrujar?

Começam por esta falta de rumo político. Dá-nos ela garantia de seguro critério político no futuro?

Em verdade, os integralistas mais não são do que literatos cuja literatura passa a ser feita com ideais políticos. No fundo, tudo aquilo é platónico e inofensivo.

Servem a monarquia, não o integralismo!

s.d.

Da República (1910 - 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979.

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