Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Fernando Pessoa

(II) F. — Qualquer sociedade civilizada caracteriza-se...

Cinco Diálogos

        (II)

F. — Qualquer sociedade civilizada caracteriza-se por a existência nela de dois elementos — a estabilidade e o progresso. Se não oferece estabilidade, resulta anárquica, e impossível o progresso; se não progride, não pode dizer-se uma sociedade civilizada.

A estabilidade social envolve que não exista um estado de tirania completa (...).

O estado social que torna possível o progresso é o equilíbrio de tiranias. Quanto mais intensa é a tendência para a tirania de cada parte, mais fecundo é o estado de progresso.

A. — Mas isso quereria dizer que a tirania é que causa o progresso, ou, pelo menos, que é a condição dele.

F. — Não. Eu não disse a tirania, mas o conflito e equilíbrio de duas tiranias. O progresso nasce da neutralização mútua das duas, não da acção de cada uma de per si, ou das duas conjuntamente como tiranias.

F. — Se reparares, verificarás que as obras mais permanentes do espírito humano datam das épocas em que se travava uma guerra civil patente ou iminente no país onde foram produzidas. Isto não quer dizer que um estado de revolução seja a essência causal da obra permanente. Mas quer dizer que um estado de revolução é (...)

F. — O progresso é uma revolta contra a espécie. Não é por um absurdo qualquer que se diz que os homens de génio são doentes ou loucos. O génio é inadaptação, isto é, doença, porque o génio é criação. Criar é não estar satisfeito. (António.)

Ant.º — Criar é não estar satisfeito. Toda a criação envolve uma rejeição do que não precisa ser criado. Todo o gesto feito hoje é uma revolta contra o gesto feito ontem. Criar é abster-se. Criar é dispensar-se de coexistir. Creio dizer a verdade sumária nestas palavras absurdas (...)

A ânsia da criação é um fenómeno imaginativo, o crime dos anjos, que julgaram poder ter um melhor céu (...).

1918?

Ultimatum e Páginas de Sociologia Política. Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução e organização de Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1980.

 - 73.

«Cinco Diálogos sobre a Tirania»