A.— (...) a inquisição? A única inquisição que há hoje é a estupidez...
5 Diálogos
A.— (...) a inquisição? A única inquisição que há hoje é a estupidez...
F.—Não. A Inquisição, que queimava os infiéis e os suspeitos; as perseguições religiosas, que exterminavam os contrários — nada disso é tirania religiosa: tudo isso é tirania política. A tirania religiosa é outra, de mais subtil e depravada espécie. A tirania religiosa é de índole hereditária e pedagógica. Cada vez que, opresso pela vida e posto à prova pela amargura, me lembro, no auge da minha angústia, de rezar, de recorrer à ideia de Cristo — então sou servo da verdadeira tirania religiosa. Cada vez que, perante os pobres (...) me enterneço e me comovo, e choro a sorte do mundo, sou servo da tirania religiosa. A tirania religiosa é esta, é isto. A outra, que queima infiéis e escorraça pagãos, essa, corno te disse, é tirania política exercida em nome da religião. Onde a religião deixa de ter força política, essa tirania deixa de existir.
Ultimatum e Páginas de Sociologia Política. Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução e organização de Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1980.
- 75.«Cinco Diálogos sobre a Tirania»