A. — Supondo, porém, que esse livro suposto fosse uma coisa para publicar,
Tirania
A. — Supondo, porém, que esse livro suposto fosse uma coisa para publicar, de que serviria publicá-lo?
F. — Uma ideia expressa é uma força; nunca é de mais fazer valer os direitos da Inteligência.
A. — Uma ideia expressa é uma falta de força — da força de a calar. Os mestres ensinam pela palavra, mas é no silêncio que eles aprenderam [?]
F. — O dever dos intelectuais (em uma época como a nossa, em que o ódio maior é à Inteligência) é criarem uma atmosfera favorável à Inteligência, fazer constar a Inteligência como uma força, ou pelo menos, como urna coisa.
A. — Nesse caso o facto mais interessante no teu livro é ele não ser nunca um facto.
F. — Hoje a Inteligência, como em todos os períodos de decadência, passa a servir o instinto. E temos os vários fenómenos típicos da nossa época — o irracionalismo de Nietzsche, o instintivismo das correntes tradicionalistas, o pragmatismo, os intuicionismos todos — a soma de correntes que erigem o não compreender em melhor forma da compreensão. Que acre ironia a do Destino justo que fechou num manicómio a Nietzsche, ao ignóbil defensor do aristocratismo da plebe!
A — Duvido que essa frase seja justa.
F. — É justo. Tudo o que é instinto [?] é plebe, e tudo o que se ergue contra a Inteligência é o instinto [...]
Ultimatum e Páginas de Sociologia Política. Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução e organização de Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1980.
- 76.«Cinco Diálogos sobre a Tirania»