É notável que toda a obra de fôlego, pela qual um indivíduo se institui...
É notável que toda a obra de fôlego, pela qual um indivíduo se institui mestre na sua categoria, é, ao mesmo tempo, obra de emoção e de pensamento, contém tanto uma forma de arte como uma fórmula de filosofia.
Nascem as grandes obras da literatura com um carácter análogo ao das grandes crenças religiosas: nelas a um tempo se encontra, e numa mistura indestrinçável, a arte, a moral e [...] a metafísica.
Obra suprema é aquela em que (a par, é certo, da rígida construção que assinala os mestres) pensamento original e emoção própria se reúnem e se fundem...
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Não há, é certo, em Caeiro aquela última mestria do equilíbrio do espírito, que se revela pela estudada forma do verso.
Mas perfeita — quando já [?] não perfeitíssima — é a construção e o desenvolvimento de cada poema — cada um erguendo-se limpo e safo do acto espiritual que lhe deu origem.
De resto, triste seria que fôssemos menos agradecidos àquele homem maravilhoso que, no meio deste século doente, cristão, recriou, de súbito, a alma antiga.
Espontaneamente fez, naturalmente (...) A sua obra é a maior obra que alma portuguesa tem feito. Se estas palavras vos parecerem estranhas, cuidai bem que falo do futuro, curando pouco do risível e do estranhável que possa haver para vós, que sois de hoje, no claro sentido destas palavras.
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1996.
- 358.Prefácio a Caeiro