Não ignoro que esses dois poemas são duas pérolas da poesia amorosa...
Não ignoro que esses dois poemas são duas pérolas da poesia amorosa universal; que são um novo sentido do amor e uma música nova das emoções amorosas. Caeiro podia ser infiel aos seus princípios; nunca podia ser inoriginal. Assim esses poemas de amor são únicos na poesia amorosa. Reparo que são assim sem por isso os admirar. Ponho mais alto, e a maior preço, a minha admiração. O próprio estado amoroso, embora natural, não é o estado próprio para a fixação de impressões que a arte é, salvo no caso dos raros artistas que conseguem ter constantemente mão em si, e a quem a inteligência tem sempre rédea na emoção. Mas esses mesmos, por certo, não ordenam como colunas de algarismos as suas emoções sexuais.
O temperamento metafísico de Caeiro menos apto estava a receber as emoções amorosas, que, sobre serem já de si perturbadoras, mais o eram para um temperamento em que eram estranhas. De aí a momentânea abdicação dos seus princípios e da sua objectividade nativa nos dois poemas de O Pastor Amoroso. Como não há-de um amoroso olhar para dentro de si?
Passo com desgosto sobre estes dois poemas, e chego, sem grande acréscimo de alegria, aos fragmentos vários, completos ou incompletos, com que se fecha a colecção da obra de Caeiro.
A viciação mental produzida por esse episódio amoroso, que, sobre ter sido estéril, foi perturbador, e cujos detalhes desconheço e desejo não conhecer, prosseguiu no espírito do poeta. Ficou o rasto viciado. Nunca mais, salvo em evanescentes episódios poéticos, voltou aquela serenidade suprema, aquela visão de deus, a que, libertando-se pouco a pouco das acreções espirituais crististas, o poeta se havia librado no decurso do caminho a que chamou O Guardador de Rebanhos.
Escuso de insistir, porque, tendo sobradamente explicado em que consiste a obra de Caeiro, implicitamente expliquei em que degenerou, quando degenerou. É-me grato ser-me escusado insistir em um ponto cuja meditação me magoa.
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1996.
- 363.Prefácio a Caeiro


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