Ora se a característica dos instintos individuais,
Ora se a característica dos instintos individuais, embora úteis à sociedade, é que levam a um antagonismo com outros indivíduos, por certo que a característica dos instintos propriamente sociais será que levam ao contrário de um antagonismo com eles. Se pelos seus instintos individuais um homem se define para si próprio como em oposição aos outros homens, e portanto como diferente deles, pelos seus instintos sociais, ao contrário, define-se como em colaboração com eles, e portanto como seu semelhante. Os instintos propriamente sociais são, pois, aqueles pelos quais um indivíduo se sente semelhante de outro indivíduo da mesma sociedade, por divergentes que sejam as suas actividades, e antagónicos que sejam os seus temperamentos. E os instintos primordialmente, fundamentalmente sociais serão aqueles pelos quais um indivíduo se sente semelhante do maior número possível de indivíduos da sociedade a que pertence.
A vida social, vimos, é essencialmente acção. Ora a mais simples, natural e vulgar de todas as acções é a de falar. A identidade que se sente através da conversa é portanto a mais profunda, a mais insistente, a mais quotidiana de todas. Por isso a que mais funda e imediatamente nos faz sentir-nos semelhantes de outro homem é o facto de ele falar a mesma língua que nós. Sentimos mais próximo e semelhante, por instinto, um estrangeiro que fale perfeitamente a nossa língua, que um nacional que, por qualquer razão, a ignore. E assim chegamos à descoberta do primeiro dos instintos propriamente sociais — a fraternidade patriótica, sentida através da comunidade linguística.
Instintos individuais
Instintos [...] — de família, de classe, de região
Instintos sociais puros — de língua, de raça, de história.
Ultimatum e Páginas de Sociologia Política. Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução e organização de Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1980.
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