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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Do horror do mistério são talvez

Do horror do mistério são talvez

Símbolos grosseiros esses horrendos

Gorgona e Demogórgon fabulosos,

Fatais um pelo aspecto outro no nome.

Neles se vê a ávida ansiedade

De dar em concepção que torturasse

De terror, isso que de vago e estranho,

Atravessando como um arrepio

Do pensamento a solidão, integra

Em luz parcial  (...)  a negra lucidez

Do mistério supremo. É conhecer,

O erguer desses ídolos de horror,

A existência daquilo que, pensado

A fundo, redemoínha o pensamento

Por loucos vãos, declives de loucura

Despenhadeiros de aflição, confusos

Torturamentos, e o que mais d'angústia

E pavor não se exprime sem que falhe

Na própria concepção o conceber.

É o horror dos horrores esse horror

De haver d'alma um estado, aquele estado

Em que o mistério lhe penetra o abismo,

E não haver palavras ou ideias

Que atinjam esse estado ou comuniquem

D'ideias a ideias o que passa

De vago e horroroso. Do mistério

O pavor é duplo — é o horror em si

O horror que sentimos ao senti-lo.

Este que torna alegre e descuidosa

A loucura, ao seu lado, que ligeiro

Faz parecer tudo que de pavor

Confrange, ou (...), enlouquece,

Esta vacuidade angustiosa

Do pensamento prenhe — quando tento

Lembrar-me que a uma Cousa, Ser real

Corresponde — só essa ideia possível

Me gela a consciência de existir

E me entupe de pavor o fundo

Sentimento do mundo e de mim mesmo.

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

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1ª versão inc.: “Primeiro Fausto” in Poemas Dramáticos. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de Eduardo Freitas da Costa.) Lisboa: Ática, 1952 (imp.1966, p.95).