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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Ricardo Reis

XX - Cuidas, ínvio, que cumpres, apertando

Cuidas, ínvio, que cumpres, apertando

Teus infecundos, trabalhosos dias

        Em feixes de hirta lenha,

        Sem ilusão a vida.

A tua lenha é só peso que levas

Para onde não tens fogo que te aqueça,

        Nem sofrem peso aos ombros

        As sombras que seremos.

Para folgar não folgas; e, se legas,

Antes legues o exemplo, que riquezas,

        De como a vida basta

        Curta, nem também dura.

Pouco usamos do pouco que mal temos.

A obra cansa, o ouro não é nosso.

        De nós a mesma fama

        Ri-se, que a não veremos

Quando, acabados pelas Parcas, formos,

Vultos solenes, de repente antigos,

        E cada vez mais sombras,

        Ao encontro fatal —

O barco escuro no soturno rio,

E os novos abraços da frieza estígia

        E o regaço insaciável

        Da pátria de Plutão.

11-7-1914

Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994).

 - 35.

1ª publ. in Atena , nº 1. Lisboa: Out. 1924.