Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Fernando Pessoa

Dois horrores

                                Dois horrores

Me esmagam, cada um dos quais parece

O maior dos horrores que há maiores:

Um, o horror da morte, outro, o horror

De não poder evitar encontrar

Esse horror — ter que morrer. Dois...

Dois só horrores? Não. À roda destes

Giram milhares, interpenetrantes,

Complexos, uns dos outros produzidos

E nessa treva hedionda, nesse inferno

Que me tem lugar n'alma o pensamento

E o sentimento, horrorosamente

Conscientes e agudos cambaleiam,

Mergulham, desvariam, gritam, sangram,

Mas sempre claros, sempre conscientes,

Sempre em cada parcela desse horror,

Medindo todo o horror e descobrindo

Os outros e os outros e os outros

E assim sempre, assim sempre, sem parar,

Arrasto, em agonia inconcebida

De qualquer agonia imaginante

Doutros homens, a vida torturada,

Esta vida que a dor me faz eterna

E o horror da morte fugidia e mínima

Em toda a parte, todo o mundo, o horror.

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

 - 55.