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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

[Carta a Armando Côrtes-Rodrigues - 4 Mar. 1915]

Lisboa, 4 de Março de 1915.

               Meu querido Amigo:

Agradeço-lhe muito o seu telegrama, posto que sinta que v. se tivesse dado ao incómodo e à despesa de o fazer. Isso mostra o seu interesse pela nossa revista, mas era realmente desnecessário que v. se tivesse incomodado assim. Chegando os seus poemas na mala de aqui a dias chegam bem a tempo. Oxalá v. tenha mandado bastantes coisas, para podermos ver bem quais devem representar melhor para o público a feição do seu Espírito.

A composição da nossa revista será a seguinte:

1. Introdução — Luís de Montalvor.

2. Para os «Indícios de Oiro» — poemas de Mário de Sá-Carneiro.

3. Poemas — de Ronald de Carvalho.

4. O Marinheiro — drama estático em um quadro, de Fernando Pessoa.

5. Treze Sonetos — de Alfredo Pedro Guisado.

6. Frisos — contos do desenhador, José de Almada Negreiros.

7. Poemas (ou outro título qualquer) de Côrtes-Rodrigues.

8. Narciso — poema de Luís de Montalvor.

Tudo isto deve dar para cima de 80 páginas. A revista — não sei se já lhe disse — é trimestral. O primeiro número deve sair no fim de Março corrente; os outros, correspondentemente, em fins de Junho, Setembro, Dezembro. O preço de cada número é de 300 réis. A assinatura para continente e ilhas é 1000 réis por ano, pelos 4 números.

Vamos a ver se conseguimos aguentar a revista até, pelo menos, ao 4.º número, para que ao menos um volume fique formado. Vai ficar uma coisa muito boa, com um ar definitivo, de coisa que fica. Bem orientada, deve pegar a valer. Parece-me isto, sobretudo por causa da venda e das assinaturas no Brasil, que o Luís de Montalvor (director em Portugal), que esteve bastante tempo no Brasil, e o Ronald de Carvalho, director do Brasil, devem conseguir obter.

Ora, a propósito de assinaturas, ocorre-me que, quando nós aqui falámos em sair, não sei se era com a Lusitânia, se era com a Europa, v. me citou nomes de várias pessoas cuja assinatura para a revista v. disse poder obter. V. recorda-se sem dúvida que tratámos deste assunto nos «Irmãos Unidos» e que eu assentava num livrinho os nomes dos assinantes prováveis, pondo adiante, entre parênteses, as iniciais de aquele de nós que as poderia obter. Tenho aqui esse livrinho e transcrevo os nomes seguintes, de assinaturas prováveis, aos quais estão apensas as iniciais de v. É para v. ver se pode conseguir, então, estas assinaturas, e outras de que se recorde. Escreva-me sobre este assunto, dizendo-me tudo o que for preciso para nós aqui tratarmos dessas assinaturas; a saber — (1) se devemos enviar as revistas para v., ou para eles, ou para outra parte qualquer; (2) se as revistas deverão ser dirigidas a cada um dos que v. indicar acompanhadas de uma carta da gerência da revista pedindo a assinatura — tendo v., é claro, previamente falado com esses indivíduos a respeito disso. Indique-me tudo como puder, na primeira mala, visto que essa sua carta deve chegar aqui antes (com certeza) de a revista estar impressa. Temos que tratar afincadamente — como v. compreende — da parte-administração da revista; que é por descurar esta parte que costumam cair, em geral, as revistas literárias. Indique-me v. também para onde, em Ponta Delgada (e outros pontos de 5. Miguel, se valer a pena) se devem mandar exemplares para a venda avulso; quantos exemplares; se v. fala aos donos desses estabelecimentos, etc., etc. Temos que firmar esta revista, porque ela é a ponte por onde a nossa Alma passa para o futuro.

Aí vão os nomes que v. citou como sendo os dos assinantes que v. poderia arranjar: Agostinho Pizarro — Dr. António César Rodrigues — P.e Manuel Ernesto Ferreira — Teobaldo da Câmara — Dr. Albano de Gusmão Tavares — José Leão — Teotónio da Silveira Moniz — Dr. António Saraiva — Dr. Mont'Alverne de Sequeira — Honorato Bernardo Bettencourt — Augusto Loureiro — Cândido Garcia Reis — Alberto Martins — Dr. Nuno de Gusmão — Dr. Eduardo de Luís Tavares — Marquês de Jácome Corréa — Coronel Francisco Afonso Chaves — Narciso de Morais — Conde de Botelho. Não sei se eles são todos de aí. V. verá e dirá. Claro está que não incluí na lista os nomes do Norberto Corrêa e do Rocha, porque a esses falo eu aqui. Na lista vai o nome Cândido Garcia Reis. É aquele rapaz a quem v. me apresentou, não é verdade? aquele que estava doente. Incluí o nome dele na lista porque, apesar de ele estar cá (vi-o há dias), não o conheço suficientemente para lhe poder falar sobre o assunto.

Ia-me esquecendo ... com efeito, esqueci-me... Na lista da colaboração da revista, depois dos Frisos do Almada Negreiros vão duas poesias do meu filho Álvaro de Campos — o homem da ode de cuja terminação (descritiva da Noite) você tanto gostava. Uma das poesias é aquela Ode Triunfal (o canto das máquinas e da civilização moderna) que v. já conhece. A outra é uma poesia anterior (que é posterior) do mesmo cavalheiro. Depois, quando seguir para aí a revista, lhe falarei deste assunto mais detalhadamente. Escuso de lhe falar do segredo «absoluto» disto tudo, não é verdade?

Estou ainda sem saber se v. recebeu aquela minha carta em que eu lhe mandava versos. Oxalá não se perdesse. Teria muita pena se assim tivesse acontecido.

O meu drama estático «O Marinheiro» está bastante alterado e aperfeiçoado; a forma que v. conhece é apenas a primeira e rudimentar. O final, especialmente, está muito melhor. Não ficou, talvez, uma coisa grande, como eu entendo as coisas grandes; mas não é coisa de que eu me envergonhe, nem — creio — me venha a envergonhar.

Dê os meus melhores cumprimentos a seu Pai e receba, meu querido Côrtes-Rodrigues, um grande abraço do seu muito amigo, admirador e obrigado.

               Fernando Pessoa

P. S. — O Guisado tem feito ultimamente extraordinárias e inesperadas coisas, versos ofuscantemente belos.

4-3-1915

Cartas de Fernando Pessoa a Armando Côrtes-Rodrigues.

(Introdução de Joel Serrão.)Lisboa: Confluência, 1944 (3.ª ed. Lisboa: Livros Horizonte, 1985).

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