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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Álvaro de Campos

PECADO ORIGINAL

PECADO ORIGINAL

Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?

Será essa, se alguém a escrever,

A verdadeira história da humanidade.

O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;

O que não há somos nós, e a verdade está aí.

Sou quem falhei ser.

Somos todos quem nos supusemos.

A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.

Que é daquela nossa verdade — o sonho à janela da infância?

Que é daquela nossa certeza — o propósito à mesa de depois?

Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas

Sobre o parapeito alto da janela de sacada,

Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar.

Que é da minha realidade, que só tenho a vida?

Que é de mim, que sou só quem existo?

Quantos Césares fui!

Na alma, e com alguma verdade;

Na imaginação, e com alguma justiça;

Na inteligência, e com alguma razão —

Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus!

Quantos Césares fui!

Quantos Césares fui!

Quantos Césares fui!

7-12-1933

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).

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