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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Álvaro de Campos

SAUDAÇÃO A WALT WHITMAN [b]

SAUDAÇÃO A WALT WHITMAN

Portugal — Infinito, onze de Junho de 1915

Hé lá, á — á — á — á!

De aqui, de Portugal, de onde a Europa olha a América,

De onde tu teres existido é um efeito complexo,

Consciente de estar à vista, no palco para a plateia que é no auge.

Saúdo-te deliberadamente, saúdo-te

Desde o princípio de te saudar, como é próprio de ti.

Hé-lá Walt, old boy, meu velho arado das almas,

Hé-lá meu condottiere da sensualidade autêntica

Pirata do teu próprio génio,

Filho-pródigo da tua inspiração!

Ó sempre moderno e eterno; cantor dos concretos absolutos

Concubina fogosamente [...] do universo disperso,

Grande pederasta roçando-te pela diversidade das coisas,

Sexualidade... etc.

Tu, o homem-mulher-criança-natureza-máquinas!

Tu, o p'ra-dentro, tu o p'ra-fora, tu o ao-lado de tudo!

Fulcro-sensualidade ao serviço do infinito, escada

Até não haver fim a subir, — e subir!

Saúdo-te e chamo

A tomar parte em mim na saudação que te faço

Tudo quanto cantaste ou desejaste cantar.

Ervas, árvores, flores, a natureza dos campos...

Homens, lutas, tratados — a natureza das almas...

Os artifícios, que dão sabor ao que não é artifício

As coisas naturais que valem sem valor dado,

As profissões com que o homem se interessa por ter vontade

As grandes ambições, as grandes raivas, as pálpebras

Descidas sobre a inutilidade metafísica de viver...

Chamo a mim, para os levar até ti,

Como a mãe chama a criança para a sentir ser

A totalidade dispersa do que interessa ao mundo...

Ah, que nada me fique de fora das algibeiras

Quando vou procurar-te.

Que nada me esqueça, se te saúdo, que nada

Falte, nem o faltar esqueça,

Porque faltar é uma coisa — faltar.

Vá! Vá! Tudo! O natural e o humano!

Vá, o que parte! vá, o que fica! vá o que lembra e o que esquece!

Tu tens direito a ser saudado por tudo

E eu, porque o vejo,

Tenho o direito a encanar a voz em tudo saudar-te

s.d.

Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993.

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