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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

III - A Grande Esfinge do Egipto sonha por este papel dentro...

                III

A Grande Esfinge do Egipto sonha por este papel dentro...

Escrevo — e ela aparece-me através da minha mão transparente

E ao canto do papel erguem-se as pirâmides...

Escrevo — perturbo-me de ver o bico da minha pena

Ser o perfil do rei Cheops...

De repente paro...

Escureceu tudo... Caio por um abismo feito de tempo...

Estou soterrado sob as pirâmides a escrever versos à luz clara deste candeeiro

E todo o Egipto me esmaga de alto através dos traços que faço com a pena...

Ouço a Esfinge rir por dentro

O som da minha pena a correr no papel...

Atravessa o eu não poder vê-la uma mão enorme,

Varre tudo para o canto do tecto que fica por detrás de mim,

E sobre o papel onde escrevo, entre ele e a pena que escreve

Jaz o cadáver do rei Cheops, olhando-me com olhos muito abertos,

E entre os nossos olhares que se cruzam corre o Nilo

E uma alegria de barcos embandeirados erra

Numa diagonal difusa

Entre mim e o que eu penso...

Funerais do rei Cheops em ouro velho e Mim!...

8-3-1914

«Chuva Oblíqua». Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995).

 - 27.

1ª publ. in Orpheu, nº 2. Lisboa: Abr.-Jun. 1915.