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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Triste horror d'alma, não evoco já

Triste horror d'alma, não evoco já

Com grata saudade tristemente

Estas recordações da juventude!

Já não sinto saudades como há pouco

Inda as sentia. Vai-se-me desmaiando,

Co'a força de pensar, contínuo e árido,

Toda a verdura e flor do pensamento.

Ao recordar agora apenas sinto

Como um cansaço só de ter vivido,

Desconsolado e mudo sentimento

De ter deixado atrás parte de mim,

E saudade de não ter saudade,

Saudade de tempos em que a tinha.

Se a minha infância agora evoco, vejo (

Estranho! — como uma outra criatura

Que me era amiga, numa vaga

Objectivada subjectividade.

Ora a infância me lembra como um sonho,

Ora a uma distância sem medida

No tempo, desfazendo-me em espanto;

E a sensação que sinto ao perceber

Que vou passando, já tem mais de horror

Que tristeza, apavora-me e confrange

E nada evoca nada a não ser o mistério

Que o Tempo tem fechado em sua mão.

Mas a dor é maior!

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

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1ª versão: “Primeiro Fausto” in Poemas Dramáticos. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de Eduardo Freitas da Costa.) Lisboa: Ática, 1952 (imp.1966, p.118).