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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Cantos, sois sombras da minha alma. Todos

Cantos, sois sombras da minha alma. Todos

Sois ilusões; minha alma canta em vós

Pedindo esse descanso que não tem.

Fugir de mim não posso.

                VOZ LÍMPIDA:

Venho d'além das estrelas,

Sou mais bela do que elas,

Cantar-te, Fausto,

Canções mais tristes que o mundo,

Cheias dum vagar profundo,

Té sorrir teu coração

Exausto.

Esta minha melodia

Fará abrir, como dia

No seu raiar,

Teu coração entornando

O seu fel antigo e brando

Como uma flor[?] e a ilusão

Voltar.

                OUTRA:

Eu chorarei sobre ti

Lágrimas de redenção.

Os meus cabelos compridos

Em que tantos envolvi

Tua face envolverão.

Nunca mais tu sentirás

Dentro em ti a sensação

De desolada desgraça;

És meu e comigo virás

Para a terra da ilusão.

No meu seio de luar

Ganharás como um perdão

Por tanta mágoa. Teus olhos

Dormirão, e ao acordar

Outra vez se cerrarão,

        Ao sono te voltarão.

(Fausto continua dormindo. A luz da lâmpada esvai-se lentamente e apaga-se. Noite e silêncio.)

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

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