Houve um dia em que Caeiro me disse uma coisa mais que espantosa.
Houve um dia em que Caeiro me disse uma coisa mais que espantosa. Falávamos, ou, antes, falava eu, da imortalidade da alma, e achava que esse conceito era necessário, ainda que fosse falso, para se poder suportar intelectualmente a existência, e ver nela mais que um amontoado de pedras com mais ou menos consciência.
- Não sei o que é ser necessário, disse Caeiro.
Respondi sem responder. - Diga-me uma coisa. O Caeiro o que é para si mesmo?
- O que sou para mim mesmo? repetiu Caeiro. - Sou uma sensação minha.
Nunca esqueci o choque da frase contra a minha alma. Ela presta-se a muita coisa, inclusive a coisas contrárias à intenção de Caeiro. Mas, enfim, foi espontânea, foi uma réstia de sol, iluminando sem intenção nenhuma.
Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.
- 377.«Notas para a recordação do meu mestre Caeiro»