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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Em outro mundo, onde a vontade é lei,

Em outro mundo, onde a vontade é lei,

Livremente escolhi aquela vida

Com que primeiro neste mundo entrei.

Livre, a ela fiquei preso e eu a paguei

Com o preço das vidas subsequentes

De que ela é a causa, o deus; e esses entes,

Por ser quem fui, serão o que serei.

Porque pesa em meu corpo e minha mente

Esta miséria de sofrer? Não foi

Minha a culpa e a razão do que me dói.

Não tenho hoje memória, neste sonho

Que sou de mim, de quanto quis ser eu.

Nada de nada surge do medonho

Abismo de quem sou em Deus, do meu

Ser anterior a mim, a me dizer

Quem sou, esse que fui quando no céu,

Ou o que chamam céu, pude querer.

Sou entre mim e mim o intervalo —

Eu, o que uso esta forma definida

De onde para outra ulterior resvalo.

Em outro mundo                           [...]

1932

Poesias Inéditas (1930-1935). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1955 (imp. 1990).

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