Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Fernando Pessoa

Diálogo na Noite

                Diálogo na Noite

Ó vestidas razões! Dor que é vergonha

E por vergonha de si própria cala

A si mesma o seu nexo! Ó vil e baixa

Porca animalidade do animal,

Que se diz metafísica por medo

A saber-se só baixa e a si dá nomes

De (...)

Ó horror metafísico de ti!

Sentido pelo instinto, não na mente,

Vil metafísica do horror da carne,

Medo do amor...

Entre o teu corpo e o meu desejo dele

Stá o abismo de seres consciente;

Pudesse-te eu amar sem que existisses

E possuir-te sem que ali estivesses!

Ah, que hábito recluso de pensar

Tão desterra o animal, que ousar não ouso

O que a mais vil besta do mundo vil

Obra por maquinismo.

Tanto fechei à chave aos olhos de outros

Quanto em mim é instinto, que não sei

Com que gestos ou modos revelar

Um só instinto meu a olhos que olhem,

Ser testemunhado no meu corpo

E no meu natural! Ó olhos de outrem

Se fosseis cegos e também o tacto!

Nem nudez de alma ou corpo sei haver

Para outro! Ser sozinho eternamente...

Ah! que tão caro eu paguei o pensamento

Que nada compensou! Que com tristes (...)

Deus pessoal, deus gente deixa que creiam,

Existe para que eu te possa odiar!

Quero alguém a quem possa a maldição

Lançar da minha vida que morri,

E não o vácuo só da noite muda

Que me não ouve, e o espaço sem mais nada

Que, se eu cuspir para ele, deixará

O que cuspi cair em mim.

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

 - 105.

1ª versão inc.: “Primeiro Fausto” in Poemas Dramáticos. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de Eduardo Freitas da Costa.) Lisboa: Ática, 1952 (imp.1966, p.119).