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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Fausto ao espelho

Fausto ao espelho

«Deus existe mas não é Deus» eis a chave transcendente de todo o ocultismo. É este o símbolo representado por «morte de Deus-Homem».

Pode Deus existir mas não ser Deus;

Transcendente mentira realmente

Existindo e cercando-nos,

O único Horror de um mistério maior.

        Se Deus houvera dado

        À verdade outro ser

        Que não o ser pensando

        O Como a conceber,

        Não nos dera a verdade

        Mas qualquer ilusão

        Na cómoda eternidade

        Da vasta escuridão.

Fora Deus Deus, Deus fosse menos que este

Pensamento que abre na minha alma

Um poço sem paredes, e eu pudesse

Ao pensamento exceder o sumo

Inexcedível, figurar mais vasto

Deus que Deus é... Como seria assim?

Por ser o ser que é absoluto ser!

Não haver para além do sempre além

Ou novas direcções do infinito,

Número infinito de infinitos.

[ ... ]

Ah, parar de pensar! Pôr um limite

Ao mistério possível. Ter o mundo

Este infinito [?] mundo por o mundo,

Por Deus o Deus que é dele e o fez e ama!

Este meu pensamento transciente

De transcendência, por magia ignota

Evoque do Incógnito um torpor

Com que se o mesmo casasse! Ah, um sono, um Sono

Um sono de pensar me roube a mim!

Treva! morte! Trevas e morte do Eu!

Matar-me dentro da alma! Que eu não pense

Por absoluta ausência e em mim descanse

Esta concentração multiplicada

De mais mundos que os mundos infinitos,

De mais seres que o ser que é mais que os seres!

E eu mesmo em morte inteira seja Abismo!

Vale-me o morte.

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva . Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

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