[Carta a Ophélia Queiroz - 23 Mar. 1920]
23/3/1920
Meu querido Bebezinho:
Hoje, com a quase certeza que o Osório não te poderá encontrar, pois, além de ter que esperar aqui pelo Valladas, tem naturalmente que ir levar açúcar a casa de meu primo, quase que de nada me serve escrever-te. Vão, em todo o caso, estas linhas, para o caso de sempre ser possível fazer-te chegar a carta às mãos.
Ainda bem que a interrupção de ainda agora foi mesmo no fim da nossa conversa, quando íamos despedir-nos. Era justamente para evitar interrupções dessas que eu escolhi o caminho por onde hoje íamos. Amanhã esperarei à mesma hora, sim Bebé?
Não me conformo com a ideia de escrever; queria falar-te, ter-te sempre ao pé de mim, não ser necessário mandar-te cartas. As cartas são sinais de separação — sinais, pelo menos, pela necessidade de as escrevermos, de que estamos afastados.
Não te admires de certo laconismo nas minhas cartas. As cartas são para as pessoas a quem não interessa mais falar: para essas escrevo de boa vontade. A minha mãe, por exemplo, nunca escrevi de boa vontade, exactamente porque gosto muito dela.
Quero que sintas isto, que saibas que eu sinto e penso assim a este respeito, para não me achares seco, frio, indiferente. Eu não o sou, meu Bebé-menininho, minha almofadinha cor-de-rosa para pregar beijos (que grande disparate!)
Mando um meiguinho chinês.
E adeus até amanhã, meu anjo.
Um quarteirão de milhares de beijos do teu, sempre teu
Fernando
O Osório leva o chinês dentro de uma caixa de fósforos.
Cartas de Amor. Fernando Pessoa. (Organização, posfácio e notas de David Mourão Ferreira. Preâmbulo e estabelecimento do texto de Maria da Graça Queiroz.) Lisboa: Ática, 1978 (3ª ed. 1994).
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