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Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

[Carta a Ophélia Queiroz - 14 Set. 1929]

Pequenina:

Gostei muito da sua carta, mas gostei ainda mais do que veio antes da carta, que foi a sua própria pessoa. Enfim, a viagem entre o Rossio e a Estrela, que não costuma ser uma coisa muito transatlântica de beleza, foi ontem duas vezes agradável, salvo no fim da segunda vez, porque, por ontem, acabou ali. Se tivesse sido, em vez de transatlântica, transvidiana (curiosa e inexplicável expressão!) teria sido preferível até ao preferível a tudo que foi. É exactamente isto que me pergunta, e a que respondo.

Não sei escrever cartas grandes. Escrevo tanto por obrigação e por maldição, que chego a ter horror a escrever para qualquer fim útil ou agradável.

Prefiro falar, porque, para falar é preciso estar-se presente — ambos presentes, salvo nesse caso infame do telefone, onde há vozes sem caras.

Se um dia qualquer, por um daqueles lapsos em que é sempre agradável cair de propósito, nos encontrássemos e tomássemos por engano o carro do Lumiar ou do Poço do Bispo (35 minutos), haveria mais tempo para estarmos encontrando-nos ao acaso.

No Domingo, ou seja amanhã, telefono-lhe, mas não creio que passe aí pela Praça do dramaturgo. Não é que não possa, mas é que não acho graça a quarenta e um metros de distância (da esquina da Avenida à janela da sua casa). Confio que possa vê-la e falar-lhe. E se eu lhe telefonasse hoje mesmo? Talvez telefone.

Pronto. Quase duas páginas de maçada. Mas ainda ganha... A maçada será sua, mas a tristeza fica comigo.

Estas palavras são de um indivíduo, que, aparte ser P pessoa, se chama preliminarmente

Fernando

14/9/1929

14-9-1929

Cartas de Amor. Fernando Pessoa. (Organização, posfácio e notas de David Mourão Ferreira. Preâmbulo e estabelecimento do texto de Maria da Graça Queiroz.) Lisboa: Ática, 1978 (3ª ed. 1994).

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