Victor Hugo - A poesia de V. Hugo é apenas a glorificação de lugares comuns.
Victor Hugo - A poesia de V. Hugo é apenas a glorificação de lugares comuns.
Victor Hugo tem o grande defeito dos temperamentos retóricos: as ideias são nele momentâneas, são inspirações realmente e não propriamente ideias, tanto que, a maior parte das vezes, se apresentam aos sentidos do poeta, interiormente, não ao pensamento. Por momentaneidade das ideias quero dizer que Victor Hugo, quando tem uma ideia brilhante e lúcida, não sabe tirar dela as conclusões lógicas, não sabe fazê-la o ponto de partida de uma associação lógica de ideias, de um raciocínio qualquer. Como essa ideia se lhe apresenta sob a forma de uma imagem, associa [-a] a outras imagens, não casualmente a ideias, associa-a pelo que ela tem de imagem, não pelo que ela tem de ideia.
É o mal de todos os inspirados, de todos os “videntes”. São “parciais” mentalmente; não pensam, têm ideias. Assim Victor Hugo contradiz-se, justapõe ideias às vezes nitidamente insusceptíveis de justaposição lógica, outras vezes pontos de partida para raciocínios que inevitavelmente levam a conclusões antitéticas. Análise, não tem nenhuma; não analisa, compreende. Quem compreende não se compreende a si. Quem compreende pura e simplesmente compreende aos bocados. Victor Hugo pode ter a intuição de um todo, ou de uma parte; nunca a de partes de um todo, nem da relação de um todo com as suas partes. O modo mental de Victor Hugo de acordo que é o vulgar, levado a um alto ponto; é por ser o vulgar que não pode ser o supremo.
Tem-se observado que Victor Hugo é um primitivo no psiquismo; que não pensa senão por imagens. Não é só isso, Pensa epigramaticamente. O seu pensamento é do género cujo mais vulgar representante é o epigrama trivial. (...) O pensamento chamado epigramático distingue-se por associar ideias de dois modos apenas: por semelhança e contraste. Ora isto indica um modo de pensar especial: por imagens.
Victor Hugo pensa por imagens. Ora aquele em cujo espírito tudo se apresenta como imagem só de dois modos pode associar ideias: pela sua semelhança ou dissemelhança
Com efeito uma imagem qualquer só, dentro da sua ordem mental, duas coisas pode evocar: imagens parecidas ou desaparecidas.
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966.
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