CLASSICISMO - O movimento da ode grega...
CLASSICISMO
O movimento da ode grega — estrofe, antístrofe, epodo — não representa uma invenção dos Gregos, mas uma descoberta sua. Não é um postulado da inteligência grega; é um axioma da inteligência humana, que aos Gregos foi dado encontrar. A sua constatação não é a duma teoria artística, é a de um facto científico, de uma lei da inteligência.
Este triplo movimento não é só a lei da ode, o fundamento eterno da poesia lírica; é, mais, a lei orgânica da disciplina mental, o regulamento eterno da criação psíquica. É a constatação superior do facto simples de que todas as coisas têm um princípio, um meio e um fim, de que o princípio conteria já em si o fim, e a indicação do meio; e de que o meio é o modo como o princípio se torna fim.
A tal ponto esta descoberta psicológica dos Gregos — mais importante, por certo, que a subversão por Galilei da astronomia Ptolemaica — é uma lei do espírito, que a vemos reaparecer várias vezes, e sempre com o mesmo carácter de eterna, na história do pensamento. Outra coisa não é o triplo movimento — tese, antítese, síntese — da dialéctica de Platão. Outra coisa não é o pensamento substancial de Hegel — em que o ser em si (Sein) se torna outro-ser (Dasein) e volta a si (für sich sein). Outra base não tem, no seu exterior filosófico, a doutrina cristã da Trindade divina, que representa Deus como sendo aquele de quem tudo procede, como Pai, por quem tudo existe, como Filho, e para quem tudo existe, como Espírito Santo; havendo assim, no entender da filosofia cristã, já uma previsão da doutrina rígida de Hegel na doutrina fluída de S Paulo.
Perderemos por completo o sentido do classicismo se não nos obrigamos a estudá-lo como deve ser estudado — na Grécia, onde nasceu, e segundo a lei do pensamento. Da Grécia para cá não tem havido senão aplicações tortuosas e incertas da Disciplina helénica.
Há, depois, que distinguir no classicismo, como em tudo mais, entre a matéria e a forma. A matéria dá-a a sensibilidade, o temperamento especial, a visão individual [?] do artista; a forma supõe a inteligência. Geral na sua natureza, como a ciência, seu produto maximamente característico, é antiparticular de sua índole.
O pseudoclassicismo francês — Boileau, Corneille, Racine — foi na cultura europeia o pior inimigo da tradição clássica, porque foi o seu desvirtuador, e, como disse Tennyson, “a mentira que é meia verdade é a pior das mentiras. O classicismo francês é um classicismo de duas dimensões, um classicismo de silhueta ou de papel cortado. A disciplina helénica é aplicada, mas não há sensibilidade a que aplicá-la. O grego aceitava, a mãos plenas, a experiência integral da vida da emoção; e a essa experiência plena impunha a disciplina da sua inteligência (abstracta). O francês castra, limita, arredonda primeiro a experiência da vida, depois é que disciplina essa sensibilidade que castrou. O classicismo que resulta é tão natural como a castidade num eunuco. É como o escolar que, tendo que fazer uma soma de parcelas compostas de números inteiros e de quebrados, começasse, para chegar a uma soma perfeita, por apagar do quadro os quebrados. O francês não tem força mental para aceitar a experiência total da vida; tem que ter dieta na sensibilidade para a poder digerir com a inteligência.
Quando, como no Romantismo, adquiriu a sensibilidade plena, o espírito francês revelou imediatamente a sua debilidade; perdeu o poder da disciplina, produziu as monstruosidades construtivas que são os poemas de Hugo, de Musset e de Lamartine. Só, e em alguns poemas, a alma triste de Vigny conseguiu filiar-se, em estilo Chénier, na velha, na grande tradição da Beleza. O espírito francês é a apoteose do secundário.
Só em Flaubert [...]. Mais uma prova da secundariedade intelectual da França. Só atingiu o ideal clássico num género secundário — no romance. Nem na poesia épica, nem na dramática...
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966.
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