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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

[Carta a Santa-Rita - 21 Set. 1915]

Resposta à carta de Santa Rita Pintor. Em papel de «Orpheu».

Lisboa, 21 de Setembro de 1915

Meu caro Santa Rita:

Agradeço-lhe comovidamente a proposta que me faz na sua carta de 19, que apenas ontem à noite me foi entregue na Brasileira do Rossio. Comovidamente, porque essa carta representa bem o seu interesse por «Orpheu», e portanto não pode deixar de impressionar com agrado a quem foi um dos fundadores espirituais da revista.

Infelizmente, e por duas razões, é-me impossível aceitar essa proposta.

Em primeiro lugar, não me compete a mim — que nenhuma parte financeira tenho na revista — dispor de qualquer modo d'ela. Qualquer opinião minha sobre o assunto redundaria, mesmo, numa indelicadeza para com o Sá-Carneiro.

Há, porém, uma outra consideração que não posso deixar de fazer, sobretudo porque sei que, nela, o Sá-Carneiro concorda comigo.

A revista «Orpheu» representa uma determinada corrente, a cuja testa estão o Mário de Sá-Carneiro e eu. A transferir para alguém essa revista, só podia ser, como no exemplo baconiano da traditio lampadis dos antigos, ad filios, aos discípulos, na carinhosa frase empregada tanto (num sentido oculto) pelos teosofistas, como (num sentido apenas metafórico) pelo próprio Mestre Francis Bacon.

Não posso por isso, meu caro Santa Rita, encarar afirmativamente a sua proposta, embora do coração lh'a agradeça.

De resto, «Orpheu» não acabou. «Orpheu» não pode acabar. Na mitologia dos antigos, que o meu espírito radicalmente pagão se não cansa nunca de recordar, numa reminescência constelada, há a história de um rio, de cujo nome apenas me entrelembro, que, a certa altura do seu curso, se sumia na areia. Aparentemente morto, ele, porém, mais adiante — milhas para além de onde se sumira — surgia outra vez à superfície, e continuava, com aquático escrúpulo, o seu leve caminho para o mar. Assim quero crer que seja — na pior das contingências — a revista sensacionista «Orpheu».

Creia, meu caro Santa Rita, na reciprocidade da amizade e da admiração do (assinado) Fernando Pessoa.

21-9-1915

Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.

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