BALANÇA DE MINERVA
BALANÇA DE MINERVA
Falar é o modo mais simples de nos tornarmos desconhecidos. E esse modo imoral e hipócrita de falar a que se chama escrever, mais completamente nos vela aos outros e àquela espécie de outros a que a nossa inconsciência chama nós-próprios. Por isso, se escrever, no sentido de escrever para dizer qualquer coisa, é acto que tem um cunho de mentira e de vício, criticar as coisas escritas não deixa de ter um correspondente aspecto de curiosidade mórbida ou de futilidade perversa. E, quando a crítica é escrita também, requinta-se para repugnante a sua imoralidade essencial. Pega-se-lhe a doença do criticado — o facto de existir escrito.
Propriamente, o único crítico de arte ou de letras deve ser o psiquiatra; porque, ainda que os psiquiatras sejam tão ignorantes e laterais aos assuntos como todos os outros homens daquilo a que eles chamam ciência, têm ainda assim, perante o que vem a ser um caso de doença mental, aquela competência que consiste em nós julgarmos que eles a tem. Nenhum edifício de sabedoria humana pode erguer-se sobre outros alicerces.
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966.
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