Odes de Ricardo Reis
- A abelha que, voando, freme sobre
- A cada qual, como a estatura, é dada
- A flor que és, não a que dás, eu quero. [2]
- A folha insciente, antes que a própria morra
- A mão invisível do vento roça por cima das ervas. [ À la manière de A. Caeiro ]
- A nada imploram tuas mãos já coisas,
- A palidez do dia é levemente dourada.
- Acima da verdade estão os deuses.
- Aguardo, equânime, o que não conheço —
- Amanhã estas letras em que te amo
- Amo o que vejo porque deixarei
- Anjos ou deuses, sempre nós tivemos
- Antes de nós nos mesmos arvoredos
- Antes de ti era a Mãe Terra escrava
- Ao longe os montes têm neve ao sol,
- Aos deuses peço só que me concedam
- Àquele que, constante, nada espera
- Aqui, dizeis, na cova a que me abeiro,
- Aqui, Neera, longe
- Aqui, neste misérrimo desterro
- Aqui, sem outro Apolo do que Apolo,
- Atrás não torna, nem, como Orfeu, volve
- Azuis os montes que estão longe param.
- Bocas roxas de vinho
- Breve o dia, breve o ano, breve tudo.
- Breve o inverno virá com sua branca
- Cada coisa a seu tempo tem seu tempo.
- Cada dia sem gozo não foi teu
- Cada momento que a um prazer não voto
- Cada um cumpre o destino que lhe cumpre.
- Cada um é um mundo; e como em cada fonte
- Cantos, risos e flores alumiem
- Cedo demais vem sempre, Cloé, o inverno.
- Com que vida encherei os poucos breves
- Como este infante que alourado dorme
- Concentra-te, e serás sereno e forte;
- Coroai-me de rosas! [3]
- Coroai-me de rosas. [2]
- Cuidas tu, louco Flaco, que apertando [1]
- Cuidas tu, louro Flacco, que cansando [2]
- Cumpre a lei, seja vil ou vil tu sejas.
- Da lâmpada nocturna
- Da nossa semelhança com os deuses
- De Apolo o carro rodou pra fora
- De uma só vez recolhe
- Débil no vício, débil na virtude
- Deixa passar o vento
- Deixemos, Lídia, a ciência que não põe
- Dia após dia a mesma vida é a mesma.
- Diana através dos ramos
- Do que quero renego, se o querê-lo
- Doce é o fruto à vista, e à boca amaro,
- Dois é o prazer: gozar e o gozá-lo.
- Domina ou cala. Não te percas, dando
- É tão suave a fuga deste dia,
- Em Ceres anoitece.
- Em vão procuro o bem que me negaram.
- Enquanto ao longe os bardos perturbarem
- Enquanto eu vir o sol luzir nas folhas
- Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge.
- Este, seu escasso campo ora lavrando, [2]
- Eu nunca fui dos que a um sexo o outro
- Fazer parar o giro sobre si
- Feliz aquele a quem a vida grata
- Felizes, cujos corpos sob as árvores
- Flores amo, não busco. Se aparecem
- Flores que colho, ou deixo,
- Flores que colho, ou deixo,
- Floresce em ti, ó magna terra, em cores
- Folha após folha vemos caem
- Frutos, dão-os as árvores que vivem,
- Gozo sonhado é gozo, ainda que em sonho.
- Grinalda ou coroa
- Há uma cor que me persegue e que eu odeio,
- Hora a hora não dura a face antiga
- Inglória é a vida, e inglório o conhecê-la.
- Ininterrupto e unido guia o teu curso
- Já sobre a fronte vã se me acinzenta
- Jovem morreste, porque regressaste,
- Lenta, descansa a onda que a maré deixa.
- Lídia, ignoramos. Somos estrangeiros
- Maior é quem a passo e passo avança
- Manhã que raias sem olhar a mim,
- Me concedam os deuses lá do alto
- Mestre, são plácidas
- Meu gesto que destrói
- Nada fica de nada. Nada somos. [1]
- Nada fica de nada. Nada somos. [2]
- Nada me dizem vossos deuses mortos
- Não a ti, Cristo, odeio ou menosprezo
- Não a ti, Cristo, odeio ou te não quero.
- Não a ti, mas aos teus, odeio, Cristo.
- Não batas palmas diante da beleza.
- Não canto a noite porque no meu canto
- Não como ante donzela ou mulher viva
- Não consentem os deuses mais que a vida. [2]
- Não inquiro do anónimo futuro
- Não mais pensada que a dos mudos brutos
- Não morreram, Neera, os velhos deuses.
- Não porque os deuses findaram, alva Lídia, choro…
- Não pra mim mas pra ti teço as grinaldas
- Não queiras, Lídia, edificar no espaço [2]
- Não quero a fama, que comigo a têm
- Não quero as oferendas
- Não quero recordar nem conhecer-me.
- Não quero, Cloé, teu amor, que oprime
- Não sei de quem recordo meu passado
- Não sei se é amor que tens, ou amor que finges,
- Não sem lei, mas segundo leis diversas
- Não só quem nos odeia ou nos inveja
- Não só vinho, mas nele o olvido, deito
- Não tenhas nada nas mãos
- Não tenhas nada nas mãos [2]
- Não torna ao ramo a folha que o deixou,
- Não torna atrás a negregada prole
- Neera, passeemos juntos
- Negue-me tudo a sorte, menos vê-la,
- Nem da erva humilde se o Destino esquece.
- Nem vã esperança vem, não anos vão,
- Neste dia em que os campos são de Apolo
- Ninguém a outro ama, senão que ama
- Ninguém, na vasta selva virgem
- No breve número de doze meses
- No ciclo eterno das mudáveis coisas
- No grande espaço de não haver nada
- No magno dia até os sons são claros.
- No momento em que vamos pelos prados
- No mundo, só comigo, me deixaram
- Nos altos ramos de árvores frondosas
- Nunca a alheia vontade, inda que grata,
- O anel dado ao mendigo é injúria, e a sorte
- O deus Pã não morreu,
- O mar jaz. Gemem em segredo os ventos [2]
- O que sentimos, não o que é sentido,
- O rastro breve que das ervas moles
- O relógio de sol partido marca
- O ritmo antigo que há nos pés descalços
- O sono é bom pois despertamos dele
- Olho os campos, Neera [4]
- Olho os campos, Neera, [2]
- Olho os campos, Neera, [3]
- Os deuses desterrados [2]
- Os deuses desterrados, [1]
- Os deuses e os Messias que são deuses
- Os deuses são felizes.
- Outros com liras ou com harpas narram,
- Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia
- Para os deuses as coisas são mais coisas.
- Para os deuses as coisas são mais coisas.
- Para quê complicar inutilmente,
- Para ser grande, sê inteiro: nada
- Passando a vida em ver passar a de outros,
- Pensa quantos, no ardor da jovem ida,
- Pequena vida consciente
- Pequena vida consciente, sempre
- Pequeno é o espaço que de nós separa
- Pesa o decreto atroz do fim certeiro.
- Pese a sentença igual da ignota morte
- Pobres de nós que perdemos quanto
- Pois que nada que dure, ou que, durando,
- Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
- Qual, Pirro, aquilo gosta que o amarga,
- Quando Neptuno houver alongado
- Quando, Lídia, vier o nosso Outono
- Quanta tristeza e amargura afoga
- Quanto faças, supremamente faze.
- Quantos gozam o gozo de gozar
- Quatro vezes mudou a estação falsa
- Que mais que um ludo ou jogo é a extensa vida,
- Quem diz ao dia, dura! e à treva, acaba!
- Quem és, não o serás, que o tempo e a sorte
- Quem fui é externo a mim. Se lembro, vejo;
- Quer pouco: terás tudo.
- Quero dos deuses só que me não lembrem.
- Quero ignorado, e calmo
- Quero versos que sejam como jóias
- Quero, da vida, só não conhecê-la.
- Quero, Neera, que os teus lábios laves
- Quis que comigo vísseis
- Rasteja mole pelos campos ermos
- Sábio é o que se contenta com o espectáculo do mundo,
- Se a cada coisa que há um deus compete,
- Sê dono de ti
- Se em verdade não sabes (nem sustentas
- Se hás-de ser o que choras
- Se já não torna a eterna primavera
- Sê lanterna, sê luz com vidro em torno,
- Se recordo quem fui, outrem me vejo,
- Segue o teu destino,
- Seguro assento na coluna firme [ 2]
- Seguro assento na coluna firme [ 3]
- Sem clepsidra ou relógio o tempo escorre
- Sereno aguarda o fim que pouco tarda.
- Severo narro. Quanto sinto, penso.
- Severo narro. Quanto sinto, penso.
- Sim, sei bem
- Só esta liberdade nos concedem
- Só o ter flores pela vista fora
- Sob a leve tutela
- Sob estas árvores ou aquelas árvores
- Sob o jugo essencial e (...)
- Sofro, Lídia, do medo do destino. [1]
- Sofro, Lídia, do medo do destino. [2]
- Solene passa sobre a fértil terra
- Súbdito inútil de astros dominantes,
- Tão cedo passa tudo quanto passa!
- Tarda o verão. No campo tributário
- Ténue, como se de Éolo a esquecessem,
- Tirem-me os deuses
- Toda a visão da crença se acompanha,
- Tornar-te-ás só quem tu sempre foste.
- Tudo que cessa é morte, e a morte é nossa
- Tudo, desde ermos astros afastados
- Um verso repete
- Uma após uma as ondas apressadas
- Uma cor me persegue na lembrança,
- Uns, com os olhos postos no passado,
- Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
- Vive sem horas. Quanto mede pesa,
- Vivem em nós inúmeros;
- Vós que, crentes em Cristos e Marias
- Vossa formosa juventude leda,
- Vou dormir, dormir, dormir,